São Paulo, terça, 29 de dezembro de 1998

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Do cachimbo e de seu uso

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Dominado o fogo, o homem cozinhou alimentos e achou que podia aproveitar o seu subproduto mais óbvio. Talos de plantas com caule oco serviram para aspirar a fumaça -que não era lá essas coisas. Mas o cachimbo estava inventado.
Daí até chegar aos cachimbos de nó de cerejeira, aos "dunhill" e aos "savinellis", demorou um pouco, mas foi aparentemente mais fácil do que chegar à Lua e ao computador pessoal.
O homem sempre procurou aspirar, se não a um alto destino, ao menos a qualquer coisa que lhe provoque a sensação de euforia, lucidez ou calma. Usou rapé nas narinas, agora usa cocaína. Entre o rapé e a coca, o fumo ficou no meio-termo e, antes da onda que o acusa de dar câncer, infarto e impotência, ele foi tão importante que até hoje figura, em forma de folhas verdes, no escudo oficial do Brasil.
O cachimbo, embora mais antigo, ficou no meio-termo entre o cigarro e o charuto. Sherlock Holmes o usava sempre. E, embora também se servisse de cocaína e tocasse violino, o cachimbo lhe era mais útil do que o dr. Watson, que não passava de um elementar. Tal como no caso dos "pretos véios" da umbanda, o cachimbo formou-lhe o logotipo.
Primeira regra obedecida fanaticamente por quem não sabe fumar: deixar-se fotografar de cachimbo na boca ou nas suas proximidades. Bing Crosby, por exemplo, com aquela voz de Papai Noel que fazia sucesso no Natal, foi um dos emblemas do mau fumador de cachimbo. Nove entre dez capas de seus discos o mostram segurando o cachimbo. Roberto Carlos não fica atrás.
O encanto do cachimbo é outro. Ele foi feito para o silêncio, até mesmo a solidão. É o companheiro da reflexão, equipamento de mergulho para o homem dentro de si mesmo. É muito eficiente, também, para depois do amor. A começar pelo perfume, que combina com o cheiro dos lençóis -se há lençóis na jogada. E pela nuvem da fumaça que cria no espaço aquelas curvas arredondadas, que entram umas dentro das outras. Olhadas com atenção, essas curvas convidam para mais uma vez.


Excepcionalmente, republicamos hoje coluna de Carlos Heitor Cony publicada em 10/11/95.



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