São Paulo, sexta-feira, 30 de janeiro de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Não são chorões, são cúmplices

SÃO PAULO - Chega a ser patético esse bate-boca indireto entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e alguns empresários sobre quem chora e quem não chora, quem é culpado e quem não é.
O presidente, como tem acontecido com notável freqüência desde que tomou posse, erra de novo o alvo. O problema do empresariado brasileiro não é o fato de ser "chorão", mas o de ser silencioso demais em relação às obscenas condições de vida.
Claro que há exceções, como sempre. Claro que generalizar, como reclamou Antônio Ermírio de Moraes, é incorreto. Mas vamos a um exemplo bem imediato: o dos assassinatos de fiscais do Trabalho em Minas Gerais, aparentemente para evitar um flagrante de trabalho escravo.
Vamos admitir, para raciocinar, que a maioria dos fazendeiros mineiros (e brasileiros) não adota o trabalho escravo. Mas adota o silêncio a respeito de seus pares que o fazem. Não dá para acreditar que, trabalhando todos no mesmo ramo, os decentes não saibam -ou ao menos não suspeitem- o que fazem os indecentes. Se colaborassem com as autoridades, denunciando-os, o trabalho escravo acabaria.
Ainda que não quisessem ser delatores, já ajudaria se tratassem ao menos de isolar os indecentes da vida associativa ou comunitária. Mas não. Vão todos às mesmas festas, o que ajuda a perpetuar mais essa mancha em um país que nunca consegue deixar de ser medieval.
É bom lembrar que uma parte do empresariado financiou a campanha de Fernando Collor em 1989 mesmo sabendo que se tratava de um aventureiro indecoroso. Preferiu a sabida falta de decoro (para usar expressão bem branda) a experimentar um partido de esquerda no governo.
Já o governo do PT não tem moral para criticar quem quer que seja depois de tudo o que disse, fez ou deixou de fazer. Afinal, quem passou um ano inteiro chorando a "herança maldita" tem lá autoridade para acusar os outros de chorões? Pobre Brasil, mais uma vez atolado numa falsa e patética polêmica.


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