São Paulo, sexta-feira, 30 de janeiro de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Os partidos brasileiros no governo Lula
ROGÉRIO SCHMITT
Diante de perspectiva tão aterrorizante (vale lembrar que o PSB e o PDT ultrapassaram por muito pouco os 5% de votos nas últimas eleições), a classe política tem adotado três estratégias de adaptação. Em primeiro lugar, já se fala casuisticamente em alterar, no bojo dos projetos relacionados à reforma política, a lei que instituiu a cláusula de barreira, reduzindo a proporção mínima de votos de 5% para 2% (um patamar que convenientemente corresponde à votação nacional do PC do B, importante aliado do governo Lula). A segunda estratégia, deflagrada após a divulgação do resultado das eleições de 2002, tem sido o processo de incorporação de pequenos partidos (os famosos "nanicos") pelas legendas maiores. O antigo PPB incorporou o PSD, transformando-se no atual PP. O PL, por seu turno, "engoliu" o PST e o PGT. A terceira e última estratégia de adaptação seguida pela classe política no governo Lula não foi, a rigor, nenhuma novidade. Trata-se do conhecidíssimo fenômeno da migração partidária. Desde o início da atual legislatura, em 2003, a Câmara já registrou mais de 150 casos de parlamentares que mudaram de partido político. De fato, o retrospecto brasileiro recente nesse quesito tem mostrado que, em cada legislatura, cerca de um terço dos deputados abandona as legendas que os elegem. Dos partidos mais importantes, os que mais cresceram desde 2003 foram o PTB (de 26 deputados originais para 52 hoje) e o PL (de 26 parlamentares eleitos para 43 atualmente). As siglas mais prejudicadas pela migração partidária foram o PSDB (que encolheu de 70 deputados eleitos para os atuais 51) e o PFL (que elegeu 84 parlamentares e hoje tem somente 67). Esses dados comprovam que a migração partidária é orientada pela atração exercida pelo Poder Executivo. Os partidos que mais se beneficiam da infidelidade partidária são, como sempre, aqueles mais próximos do governo. As maiores perdedoras são, como sempre, as siglas de oposição. No que diz respeito à composição partidária do Poder Executivo, e da maioria congressual que lhe garante a governabilidade, o governo Lula também não fugiu às regras do presidencialismo de coalizão. O partido do presidente tem menos de 20% das cadeiras na Câmara e no Senado. Portanto, assim como o PSDB de FHC, o PT de Lula precisa compulsoriamente governar em aliança com outros partidos, exatamente como tem feito. Todos os sistemas multipartidários do mundo democrático funcionam desse modo. A reforma ministerial que acaba de incluir formalmente o PMDB no ministério confirma esse componente fundamental do sistema político brasileiro. No Congresso, o governo Lula dispõe hoje de um apoio multipartidário comparável àquele de que seu antecessor dispunha. O governo Lula não é, então, o governo do PT. É o governo do PT, do PL, do PMDB, do PTB, etc. Será então que nada mudou? A maior novidade que as eleições de 2002 e Lula trouxeram ao sistema partidário foi a chegada mesma do PT ao comando do Estado brasileiro, a única das grandes legendas que ainda não tivera essa oportunidade. No Ocidente, a democracia liberal permitiu que todos os partidos socialistas que chegaram ao poder passassem a rezar pela cartilha do respeito ao voto popular, da alternância pacífica do poder e da economia de mercado. O PT e todos os demais partidos brasileiros, no governo ou na oposição, devem se empenhar para que esse seja também o destino da democracia brasileira. O eleitorado agradece! Rogério Schmitt, 35, é professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, doutor em ciência política pelo Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e autor do livro "Partidos políticos no Brasil, 1945-2000" (Jorge Zahar Editor, 2000). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Denis Lerrer Rosenfield: Ausência de pudor Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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