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São Paulo, domingo, 30 de março de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Bella mátribus detestata

RIO DE JANEIRO - Sempre que me perguntam sobre meus poetas preferidos cito Horácio, que cada vez me parece mais atual. Como todo poeta genial, era um poço de paradoxos, foi epicurista e, ao mesmo tempo, um pensador de alto senso moral.
Seu "Carpe diem" rola por aí, é hoje nome de bares e conjuntos musicais, nunca deixou de ser o lema mais explícito de exaltação ao momento, um contraponto de outro conselho que um nazareno, perdido às margens de um mar interior na Galiléia, deu a seus discípulos: "A cada dia bastam as suas preocupações".
Outro dia, em crônica que me valeu algumas dezenas de e-mails, lembrei outro verso de Horácio, sua Ode 1, que é de dolorosa atualidade: "Muitos amam os acampamentos, o som do clarim junto ao da trombeta, a guerra detestada pelas mães".
Este foi o tema da crônica anterior e é o desta: a guerra detestada pelas mães, no original latino, "bella mátribus detestata". Com a dose de cinismo que lhe era própria, o poeta garante que a estupidez humana sempre apelará para acampamentos, clarins e trombetas que incitam à luta, à destruição, à morte. Mas reconhece que as mães, mães inclusive de homens estúpidos, detestam a guerra, e têm motivos para isso.
A perspectiva delas transcende as motivações, o bem e o mal, o certo e o errado. Elas geraram, com dor, todos aqueles que, de um lado ou de outro, tombam mutilados, cobertos de sangue e pó, nos campos de batalha ao longo da história.
Começamos a ver, com a instantaneidade da comunicação eletrônica, os mortos dos que atacam e dos que defendem. E, se todos nós temos o direito de perguntar "por que tudo isso?", as mães nem sequer perguntam, sabendo que não terão resposta.
Tampouco os mortos perguntam qualquer coisa. Eles fazem aquilo que deles se espera: morrem. Morrem por uma causa que nem sempre entendem. E não desconfiam que morrem inutilmente.


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