São Paulo, Terça-feira, 30 de Março de 1999
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Meio caminho andado


CLÓVIS ROSSI

São Paulo - É francamente animador o desfecho da crise paraguaia, por mais provisório que venha a se mostrar.
A mais incipiente e frágil das democracias sul-americanas resistiu, em uma semana, ao assassinato do vice-presidente, a uma tentativa de impeachment do presidente e à renúncia deste.
Não seria trivial em parte alguma, menos ainda na América Latina, cuja história é feita de dramáticos desencontros institucionais.
Só nesta década, três presidentes (o brasileiro Fernando Collor, o venezuelano Carlos Andrés Pérez e, agora, o paraguaio Raúl Cubas) perderam seus cargos pelos meios institucionais, sem que fosse preciso recorrer aos tanques para apeá-los do poder. Nada mal.
Dá até para dizer que a democracia, por fim, parece lançar raízes profundas na região. Talvez definitivas.
Tudo resolvido, então? Não. Metade da dívida latino-americana parece agora estar sendo quitada. Refiro-me ao déficit democrático que marcou a história do subcontinente desde a independência até o final dos anos 80.
Mas essa conquista institucional será de pouca valia, para as maiorias, enquanto não for atacada igualmente a outra dívida, a social. No caso do Paraguai, 74% dos habitantes vivem abaixo da linha de pobreza.
Não têm, portanto, muito a comemorar com o fato de as instituições terem sido preservadas, embora a história demonstre que é imensamente mais fácil atacar a pobreza e a desigualdade na democracia do que em regimes autoritários.
O problema é que as lideranças democráticas, antes condicionadas, nos avanços sociais, pela sombra dos tanques, guardiães do status quo, agora se vêem amarradas (ou docemente entregues) a políticas que aumentam ou, no mínimo, preservam as iniquidades sociais de que o subcontinente é campeão. É sempre melhor haver espaço para gritar contra as desigualdades, em vez de ser forçado a calar. Mas o ideal mesmo é começar a desterrá-las de uma boa vez.


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