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Meio caminho andado
CLÓVIS ROSSI
São Paulo - É francamente animador
o desfecho da crise paraguaia, por
mais provisório que venha a se mostrar.
A mais incipiente e frágil das democracias sul-americanas resistiu, em
uma semana, ao assassinato do vice-presidente, a uma tentativa de impeachment do presidente e à renúncia
deste.
Não seria trivial em parte alguma,
menos ainda na América Latina, cuja
história é feita de dramáticos desencontros institucionais.
Só nesta década, três presidentes (o
brasileiro Fernando Collor, o venezuelano Carlos Andrés Pérez e, agora, o
paraguaio Raúl Cubas) perderam seus
cargos pelos meios institucionais, sem
que fosse preciso recorrer aos tanques
para apeá-los do poder. Nada mal.
Dá até para dizer que a democracia,
por fim, parece lançar raízes profundas na região. Talvez definitivas.
Tudo resolvido, então? Não. Metade
da dívida latino-americana parece
agora estar sendo quitada. Refiro-me
ao déficit democrático que marcou a
história do subcontinente desde a independência até o final dos anos 80.
Mas essa conquista institucional será de pouca valia, para as maiorias,
enquanto não for atacada igualmente
a outra dívida, a social. No caso do
Paraguai, 74% dos habitantes vivem
abaixo da linha de pobreza.
Não têm, portanto, muito a comemorar com o fato de as instituições terem sido preservadas, embora a história demonstre que é imensamente
mais fácil atacar a pobreza e a desigualdade na democracia do que em
regimes autoritários.
O problema é que as lideranças democráticas, antes condicionadas, nos
avanços sociais, pela sombra dos tanques, guardiães do status quo, agora
se vêem amarradas (ou docemente entregues) a políticas que aumentam ou,
no mínimo, preservam as iniquidades
sociais de que o subcontinente é campeão. É sempre melhor haver espaço
para gritar contra as desigualdades,
em vez de ser forçado a calar. Mas o
ideal mesmo é começar a desterrá-las
de uma boa vez.
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