São Paulo, quarta-feira, 30 de abril de 2008

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RUY CASTRO

Medalhas por bravura

RIO DE JANEIRO - A foto é -como se diz mesmo?- emblemática, e está na capa de um dos muitos livros recém-lançados sobre 1968: mostra a menina de minissaia quadriculada, pulôver de "col roulé" e botas pretas, que marcha, desafiadora, diante da tropa encapotada e pronta para a repressão.
A cena podia se passar em Paris, na Cidade do México ou no Rio, algumas das cidades que foram palco das piores batalhas entre os estudantes e a polícia naquele ano. O que importa é o contraste entre a garota com as pernas de fora e os brutos que, dali a pouco, investirão contra ela com seus cassetetes.
Em 1968, presenciei várias cenas assim e suas conseqüências, protagonizadas por minhas colegas da Faculdade Nacional de Filosofia. As minissaias quadriculadas, do tipo kilt, presas com um alfinete de fralda, ou justas nas coxas, estavam na moda também aqui. Era daquele jeito, com as pernas nuas -já então a carioca não via motivo para usar meias de nylon-, que elas iam para a passeata na avenida Rio Branco.
Os rapazes, por sua vez, adotavam um uniforme característico, comprado num fornecedor da praça Mauá: camisa cáqui ou azul da Marinha americana e calça jeans da marca Lee, de um brim tão grosso e encorpado que parecia couro. Muito útil quando se estava no epicentro de uma bomba de "efeito moral" deixada pela polícia no meio de um grupo de estudantes.
Ao explodir, o clarão iluminava a avenida, o barulho era de ensurdecer e a bomba se despedaçava em cacos de plástico que voavam a meia altura e com toda força. Nossos jeans nos protegiam. Mas, no dia seguinte, e sempre de minissaia, as meninas iam para a faculdade com as pernas cheias de curativos nos lugares onde tinham sido atingidas pelos estilhaços. Para mim, aqueles curativos eram medalhas por bravura.


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