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RUY CASTRO
Medalhas por bravura
RIO DE JANEIRO - A foto é -como se diz mesmo?- emblemática, e
está na capa de um dos muitos livros recém-lançados sobre 1968:
mostra a menina de minissaia quadriculada, pulôver de "col roulé" e
botas pretas, que marcha, desafiadora, diante da tropa encapotada e
pronta para a repressão.
A cena podia se passar em Paris,
na Cidade do México ou no Rio, algumas das cidades que foram palco
das piores batalhas entre os estudantes e a polícia naquele ano. O
que importa é o contraste entre a
garota com as pernas de fora e os
brutos que, dali a pouco, investirão
contra ela com seus cassetetes.
Em 1968, presenciei várias cenas
assim e suas conseqüências, protagonizadas por minhas colegas da
Faculdade Nacional de Filosofia. As
minissaias quadriculadas, do tipo
kilt, presas com um alfinete de fralda, ou justas nas coxas, estavam na
moda também aqui. Era daquele
jeito, com as pernas nuas -já então
a carioca não via motivo para usar
meias de nylon-, que elas iam para
a passeata na avenida Rio Branco.
Os rapazes, por sua vez, adotavam um uniforme característico,
comprado num fornecedor da praça Mauá: camisa cáqui ou azul da
Marinha americana e calça jeans da
marca Lee, de um brim tão grosso e
encorpado que parecia couro. Muito útil quando se estava no epicentro de uma bomba de "efeito moral"
deixada pela polícia no meio de um
grupo de estudantes.
Ao explodir, o clarão iluminava a
avenida, o barulho era de ensurdecer e a bomba se despedaçava em
cacos de plástico que voavam a
meia altura e com toda força. Nossos jeans nos protegiam. Mas, no
dia seguinte, e sempre de minissaia,
as meninas iam para a faculdade
com as pernas cheias de curativos
nos lugares onde tinham sido atingidas pelos estilhaços. Para mim,
aqueles curativos eram medalhas
por bravura.
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