São Paulo, sexta-feira, 30 de julho de 2004

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GABRIELA WOLTHERS

Dois mundos num só dia

RIO DE JANEIRO - O mundo do jornalista de economia é bem diferente da rotina dos que vão atrás do que acontece nas cidades ou na política. O cenário por onde transitam é normalmente de Primeiro Mundo. Salas na maioria das vezes com ar condicionado, nas quais os entrevistados estão de terno e gravata. Nas conversas, sobram expressões em inglês. A pobreza é um índice de renda. A violência, um fator de risco para investimentos. Tudo civilizado.
Muito diferente do dia-a-dia do repórter que tem de percorrer favelas para apurar detalhes sobre tiroteios que muitas vezes ainda estão acontecendo. Suando, tendo de entrevistar pessoas apavoradas e sem perspectiva de achar um banheiro decente.
Mesmo o repórter de política, que convive muito bem com os gabinetes do poder, um belo dia é obrigado a enfrentar uma campanha eleitoral. E, aí, são infindáveis os corpo-a-corpo dos candidatos com eleitores em lugares para lá de longínquos, com lama, valas de esgoto e muita pobreza. Resumindo os dois casos, nada mais do que o Brasil real.
Essas diferenças me vieram à mente durante uma visita de autoridades e jornalistas ao porto de Sepetiba, no Rio. O porto é realmente impressionante, com os contêineres milimetricamente posicionados, guindastes novíssimos, funcionários com equipamentos de segurança e nem um lixo fora do lugar. Nas entrevistas, números sobre projetos de expansão, em centenas de milhões de reais.
Chegaram perto de me convencer que o país está no rumo certo. Não durou muito. Na volta, o rádio trazia mais um crime na cidade. Um aposentado, Josias Tavares, 67, estava brincando numa praça com seu neto de um ano e meio. Era meio-dia, na Barra. Quando estava segurando o neto no escorregador, caiu. Estava morto, vítima de uma bala perdida. Só repetindo para acreditar. Ele foi assassinado enquanto segurava o neto no escorregador da praça. Apesar do absurdo, nada que vá abalar a assepsia do mundo econômico. Afinal, esse caso é apenas mais um dado para a próxima estatística.


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