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GABRIELA WOLTHERS
Dois mundos num só dia
RIO DE JANEIRO - O mundo do jornalista de economia é bem diferente
da rotina dos que vão atrás do que
acontece nas cidades ou na política.
O cenário por onde transitam é normalmente de Primeiro Mundo. Salas
na maioria das vezes com ar condicionado, nas quais os entrevistados
estão de terno e gravata. Nas conversas, sobram expressões em inglês. A
pobreza é um índice de renda. A violência, um fator de risco para investimentos. Tudo civilizado.
Muito diferente do dia-a-dia do repórter que tem de percorrer favelas
para apurar detalhes sobre tiroteios
que muitas vezes ainda estão acontecendo. Suando, tendo de entrevistar
pessoas apavoradas e sem perspectiva de achar um banheiro decente.
Mesmo o repórter de política, que
convive muito bem com os gabinetes
do poder, um belo dia é obrigado a
enfrentar uma campanha eleitoral.
E, aí, são infindáveis os corpo-a-corpo dos candidatos com eleitores em
lugares para lá de longínquos, com
lama, valas de esgoto e muita pobreza. Resumindo os dois casos, nada
mais do que o Brasil real.
Essas diferenças me vieram à mente
durante uma visita de autoridades e
jornalistas ao porto de Sepetiba, no
Rio. O porto é realmente impressionante, com os contêineres milimetricamente posicionados, guindastes
novíssimos, funcionários com equipamentos de segurança e nem um lixo fora do lugar. Nas entrevistas, números sobre projetos de expansão, em
centenas de milhões de reais.
Chegaram perto de me convencer
que o país está no rumo certo. Não
durou muito. Na volta, o rádio trazia
mais um crime na cidade. Um aposentado, Josias Tavares, 67, estava
brincando numa praça com seu neto
de um ano e meio. Era meio-dia, na
Barra. Quando estava segurando o
neto no escorregador, caiu. Estava
morto, vítima de uma bala perdida.
Só repetindo para acreditar. Ele foi
assassinado enquanto segurava o neto no escorregador da praça. Apesar
do absurdo, nada que vá abalar a assepsia do mundo econômico. Afinal,
esse caso é apenas mais um dado para a próxima estatística.
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