São Paulo, sexta-feira, 30 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A teoria e a prática nos preços do gás

SEBASTIÃO DO REGO BARROS e LUIZ AUGUSTO HORTA NOGUEIRA

Combustível básico para a preparação de alimentos, o GLP (gás liquefeito de petróleo) é o derivado com maior dependência do fornecimento externo. Em 2001, o Brasil importou 30% dos 7 milhões de toneladas consumidas. Mesmo considerando que nos próximos anos essa dependência se reduza, trata-se de um ponto nevrálgico do sistema energético nacional, que requer atenção permanente da ANP (Agência Nacional do Petróleo).
Esse produto é distribuído a todos os municípios brasileiros, com logística complexa, envolvendo refinarias e terminais, 20 distribuidoras e cerca de 80 mil postos de revenda. A distribuição a granel, voltada para grandes e médios consumidores, responde hoje por mais de 30% da demanda.
O mercado de GLP passou por modificação notável nos últimos quatro anos, na busca de maior vinculação entre preços e custos. Mesmo com as importações liberadas desde 1998, o baixo preço de venda de GLP nas refinarias brasileiras, por conta do subsídio existente, não atraía empresas privadas para essa atividade. Esses subsídios, que chegaram a representar quase um terço do preço ao consumidor do botijão, eram concedidos a todas as formas de comercialização do produto. Hoje subsiste apenas o auxílio-gás, para as famílias de baixa renda adquirirem o botijão de 13 kg.
Com a revisão do marco tributário, a eliminação dos subsídios e a liberação dos preços nas refinarias, a partir do início deste ano, o cenário começou a mudar. Algumas distribuidoras obtiveram da ANP autorização para importar GLP, sem entretanto efetuarem importações.
A implementação da regulamentação do livre acesso aos terminais representa outro avanço importante para a efetiva abertura do mercado de combustíveis. Não obstante, o mercado de GLP apresenta uma tancagem bastante reduzida, equivalente a poucos dias de consumo. Portanto, nos próximos anos, novos investimentos em infra-estrutura serão requeridos.
Até 2001, o preço do GLP nas unidades produtoras era determinado por ato conjunto dos ministérios de Minas e Energia e da Fazenda, com base na paridade de importação, isto é, o preço CIF (incluído o frete) para as frentes mais oportunas de fornecimento do mercado externo. Com a liberação do mercado, os produtores passaram a definir sua política de preços. No caso do GLP, utilizou-se o mesmo mecanismo de valoração, que vincula os preços aos custos de oportunidade.


Não podemos considerar plenamente resolvida a política de preços do GLP, um problema que merece a maior atenção


Entretanto os mercados nem sempre funcionam como esperado e diversos fatores podem distorcer a livre interação entre a oferta e demanda. Com a elevação dos preços observada a partir do final de março, motivada pela variação do dólar e do preço internacional do petróleo e agravada pelas elevações correspondentes nos tributos (basicamente no ICMS) e nas margens, tornou-se necessária a ação mais efetiva da ANP na proteção dos consumidores.
Com a recente resolução do Conselho Nacional de Política Energética, a ANP vem tratando dos preços elevados do GLP com base em dois princípios: defender o consumidor e promover um mercado competitivo. Nesse sentido, atuou em distintas frentes: buscou um comprometimento dos agentes da distribuição e revenda, com a adequação das margens, e estabeleceu uma redução no preço nas refinarias, a ser aplicada apenas na parcela de GLP destinada ao envasamento de botijões de 13 kg.
Além disso, vem monitorando os preços de distribuição e revenda, divulgados de forma ampla e estruturada. A ANP também intensificou sua relação com os órgãos do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, visando eventuais ações preventivas nos casos críticos, identificados pelo monitoramento de preços.
Quanto aos impostos estaduais, o Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária) estabeleceu novos convênios para assegurar o repasse da queda dos preços. Como resultado, observa-se uma clara redução nos preços dos botijões para os consumidores, que será acompanhada permanentemente. A ANP agirá pontualmente com firmeza, se necessário, para reprimir eventuais abusos. Porém a tendência de queda nos preços de GLP aponta para o acerto da estratégia adotada.
Tão importante como atuar corretivamente é manter a visão do futuro desejável. Temos de estimular um mercado competitivo para o GLP, em um quadro de profundas assimetrias sociais, para um produto com especificidades tecnológicas e econômicas. Definir políticas de preços neste ambiente é um desafio, pois é uma abordagem simplista igualar a cada momento o preço doméstico de um bem ao seu preço internacional.
Na verdade, os preços em um ambiente saudável devem considerar a flexibilidade da demanda, as perspectivas de redução de custos, os contratos de longo prazo nos mercados de petróleo e derivados, os valores agregados em moeda nacional, a logística e serem menos susceptíveis a um regime de câmbio flutuante.
Em síntese, as medidas recentes implementadas pela ANP para o gás de cozinha visam atender ao consumidor e ao mercado. Não podemos considerar plenamente resolvida a política de preços do GLP, um problema complexo e que merece a maior atenção. Desenvolver um mercado competitivo, com várias empresas atuando na produção, distribuição e revenda continua sendo o objetivo da ANP. Esse objetivo, porém, não pode ser um fim em si mesmo. Para ser legítimo e válido, deve ter como alvo a proteção do consumidor e o desenvolvimento econômico e social do país.


Sebastião do Rego Barros, 62, embaixador, é diretor-geral da ANP. Luiz Augusto Horta Nogueira, 45, engenheiro mecânico, é diretor técnico responsável pela área de Abastecimento da ANP.



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