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São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2003

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CLAUDIA ANTUNES

Estorvo para "responsáveis"

RIO DE JANEIRO - Sabe-se que a democracia é um estorvo mal tolerado pelos mercados, pelo menos aqui do lado de baixo do equador. Bem antes de George Soros fazer a célebre advertência -"ou Serra ou o caos"- que antecipou o terrorismo financeiro do final do ano passado, Pedro Malan já insistia que os "bons fundamentos" econômicos não deveriam ser objeto de discussão eleitoral.
Não importa, no caso, que as políticas "corretas" tenham transitado da irresponsabilidade com as contas internas e externas dos tempos do "real forte" para o arrocho imposto depois do acordo de 1998 com o FMI -quando os mesmos que tinham impulsionado a multiplicação da dívida pública tornaram-se "fiscalmente responsáveis" desde criancinhas a fim de melhor pagá-la.
O fato é que, com toda a incoerência de seus apologistas, a ideologia que promove uma determinada sapiência econômica acima dos compromissos eleitorais e da necessidade social foi adotada pelo governo do PT, que reforçou a supremacia da Fazenda sobre as outras áreas da administração. Afirma-se que mais arrocho era a única opção diante da herança recebida -mas por que propor uma estátua para quem ajudou a forjar a maldição?
Esse discurso desarticulado torna difícil aceitar o argumento fiscal que justifica tanto a deterioração inédita do mercado de trabalho como medidas impopulares de discutível efeito orçamentário, a última delas expondo aposentados ao sol e à chuva, quando parece inevitável arcar com o aumento de benefícios que não foram corrigidos -parte deles por esquecimento (?) dos defensores da "responsabilidade".
A constatação de que, quanto mais se muda, mais tudo permanece igual, pode minar a crença na democracia, mas, por enquanto, não há risco de que acabe com as eleições periódicas, seu ritual mínimo. Em países onde o voto não é obrigatório, os que rejeitam o faz-de-conta ficam longe das urnas. Aqui, tendem a transformar a cédula em instrumento de vingança, logo esterilizada.


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