São Paulo, quinta-feira, 30 de dezembro de 2004

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CLAUDIA ANTUNES

Disputa midiática

RIO DE JANEIRO - Os necrológios de Susan Sontag registram que ela foi tachada de antiamericana, entre outros adjetivos ferozes, quando, logo depois do 11 de Setembro, publicou na "New Yorker" um artigo no qual atribuía os atentados "às ações e alianças" dos Estados Unidos e dizia que os terroristas que explodiram as torres gêmeas poderiam ser tudo menos covardes, como os havia chamado George W. Bush.
O episódio teria terminado como um debate acalorado se o objetivo das críticas fosse somente o de contestar equívocos na análise da ensaísta. Porém, ao negar qualquer legitimidade às inquietações de Sontag, elas visavam excluir da mídia, e principalmente da TV e do rádio, idéias que pudessem pôr em xeque a ordem unida que dali em diante deveria ser seguida pelos americanos.
O resultado desse furor censório só foi conhecido neste ano, quando os principais jornais dos EUA admitiram ter caído na falácia das armas de destruição em massa e começaram a questionar uma estratégia de política externa que teve a pretensão de começar pelo Iraque uma revolução democrática no Oriente Médio.
A ofensiva que reduziu ao mínimo a contestação ao governo foi, além de estúpida, desnecessária. Se, no período que vai do New Deal aos anos 60, a centro-esquerda teve maior influência entre os pensadores ouvidos pela imprensa americana, o quadro já havia mudado quando Bush foi eleito. A partir dos 80, neoconservadores ganharam a comunicação de massa a partir dos seus "think tanks". Nomes como Fukuyama e Kristol tornaram-se tão conhecidos quanto Galbraith ou Stiglitz.
Na França, berço dos intelectuais engajados, aconteceu o mesmo, com os falecidos Sartre, Foucault e Bourdieu dando lugar aos "novos filósofos" Bernard-Henri Lévy e Glucksmann, hoje na linha de frente do combate ao islamismo radical. Nos EUA, como em toda parte, a campanha contra o "liberalismo" (no sentido americano) da mídia foi extemporânea e indica um desejo de dominação que vai além da hegemonia.

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