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ELIANE CANTANHÊDE
Se lá é assim...
BRASÍLIA - Espionagem, às vezes
(muitas vezes), é como o jornalismo: surge uma dica, uma "fonte de
informação" ou um documento secreto, e, a partir daí, é preciso
"preencher lacunas" e "criar um todo plausível". E é assim que se cometem as maiores barbaridades,
como ensina um livro-reportagem
sobre os inacreditáveis erros e absurdos da CIA e da DIA (EUA), do
BND (Alemanha) e do MI6 (Inglaterra) que serviram de pretexto para a invasão do Iraque.
O livro "Curveball" (algo como
bola de efeito), do norte-americano
Bob Drogin, relata detalhadamente
como um engenheiro iraquiano
amalucado e viciado em internet
manipulou os órgãos de inteligência dos três países até que Bush e
Colin Powell caíram alegremente
na esparrela de denunciar um rocambolesco projeto de fábricas móveis de bactérias.
Curveball, o iraquiano, inventou
a história, traduzida do árabe para o
alemão, do alemão para o inglês e,
enfim, resumida. Em cada etapa,
perdia ressalvas e desconfianças até
desembarcar nos altos escalões
com ares de veracidade. Sabe como
é: a "fonte" precisa ser importante,
o agente quer valorizar seu achado,
o chefe tem que justificar a invasão
de um país alheio. Cada um fala, vê,
ouve e lê o que quer.
O livro não apenas destrói o endeusamento dos órgãos de segurança dos países ricos como vem bem a
calhar no Brasil de hoje, em que todos grampeiam todos, chefes são
chutados para o alto, "lacunas" são
preenchidas ao gosto do freguês e
os fins justificam os meios para
"criar um todo plausível" -contra o
seu inimigo, certo?
Ao ser despachado como adido
policial do Brasil em Lisboa (?!), o
delegado Paulo Lacerda leva o principal na bagagem: as gravações da
operação Satiagraha e sabe-se lá
quantos segredos -e de quem. Da
oposição? Ou do próprio governo?
No mítico mundo da espionagem, operam pessoas de carne, osso, ideologias e ambições. Saber é
poder. Lacerda sabe muitíssimo.
elianec@uol.com.br
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