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FERNANDO DE BARROS E SILVA
A marolinha e o navio
SÃO PAULO - O jornal "O Estado
de S. Paulo" publicou na capa da sua
edição do último domingo uma foto
muito ilustrativa. Centenas de pessoas estão acomodadas ao redor de
uma grande piscina. São famílias,
homens, mulheres, crianças. Trajes
de banho, óculos escuros, drinques,
celulares e máquinas fotográficas
na mão, elas dirigem sua atenção
sorridente a uma cena que a imagem não mostra: a legenda nos informa que todos ali acompanham
um concurso de drag queen.
O conjunto lembra um pouco o
Piscinão de Ramos, a praia artificial
que Garotinho instalou na zona
norte do Rio em 2001. Mas aqui estamos a bordo de um navio, num
dos muitos cruzeiros pela costa
brasileira que movimentam o turismo, cujo crescimento está ancorado na ascensão da classe C. No ano
da marolinha, Lula levou o Piscinão
de Ramos para passear em alto mar.
Trata-se, é claro, de uma boa notícia. O naviozão brega é um entre
outros vários símbolos de inclusão
que a realidade nos mostra. No auge
do Real, sob Fernando Henrique,
falava-se com orgulho do aumento
do número de pessoas com acesso à
dentadura. É só uma impressão,
mas repare nas ruas se hoje não
existe, entre os mais pobres, muita
gente usando aparelho dentário.
TV de tela plana, celular com câmera, carro usado, passagem aérea
mais barata que viagem de ônibus
-são ícones de consumo da era Lula. A contrapartida são aeroportos
cheios, trânsito demais nas ruas -o
país que se descobre maior e mais
apertado. A velha classe média vê
seus privilégios e sonhos de exclusividade frustrados pelos emergentes. Ao mesmo tempo, a violência
urbana e a desagregação social em
cidades como São Paulo e Rio projetam uma grande sombra de ameaças sobre as esperanças de todos.
Para onde vai afinal o navio brasileiro? A imagem sugere que estamos na rota da americanização sem
escola. Muita gente ainda vai cair
no mar, mas podia ser bem pior.
Volto na outra quarta. Feliz 2010!
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