UOL




São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VINICIUS TORRES FREIRE

Da guerra justa

SÃO PAULO - Quem acompanha a mais recente onda de estupidez e horror, que ora cobre o Iraque, terá visto generais e falcões civis americanos reclamar que os iraquianos cumpram as leis da guerra. Algo como a guerra tem lei?
Tem ou teve: de códigos de "conduta honrada" de guerreiros de milhares de anos e filósofos cristãos tentando conciliar o amor de Jesus com demandas temporais até a Convenção de Haia (1907) e as Convenções de Genebra (1950).
Especialistas dizem que o debate sobre justiça na guerra e guerra justa havia saído de moda desde o século 17, talvez devido à brutalidade da Guerra dos 30 anos, que devastou centro e norte da Europa (1618-48).
Notável é que as leis de guerra tenham ganhado letra impressa e garatuja global logo antes e depois das duas maiores e indiscriminadas carnificinas da história, as duas Guerras Mundiais. Desde então, elas servem para críticos da guerra jogarem argumentos ao vento contra crimes de guerra e para poderes vitoriosos condenarem os derrotados.
Os americanos reclamam que combatentes iraquianos usam roupas civis, usam táticas de guerrilha, carros-bomba e que matam soldados rendidos, o que é de fato intolerável se for verdade. Já articulam tribunais militares para julgar os inimigos.
Pior ainda para as leis de guerra é a jurisprudência: é proibido alvejar civis, mas a teoria do "duplo efeito" admite "danos colaterais". Civis mortos por estarem perto do alvo militar.
Na semana passada, o jornalista Robert Fisk achou um pedaço de metal com a assinatura americana na bomba que caiu em um bazar, um dano colateral que matou 62 civis em Bagdá: 30003-704ASB 7492, a bomba que os EUA diziam ser iraquiana.
No começo do século 20, 15% dos mortos em guerras eram civis; no final do século da barbárie, 80% dos cadáveres eram de não combatentes. O que era lateral, paralelo, tornou-se essencial. E ainda é legal.


Texto Anterior: Editoriais: POWELL MAIS FRACO

Próximo Texto: Brasília - Valdo Cruz: Regalias e privilégios
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.