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São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Jogos de guerra

REGINA MADALOZZO e MARCELO MOURA

O ataque das forças anglo-americanas ao Iraque e os fatos que o precederam têm muitos pontos estratégicos a serem analisados.
Decisões sobre estratégia, cooperação ou não-cooperação e disseminação de informação entre indivíduos são alguns dos temas estudados na área de teoria dos jogos. Este campo da economia recentemente ganhou notoriedade com o Prêmio Nobel concedido ao matemático John Nash. Atualmente, com a crise do Iraque, economistas e estudiosos de teoria dos jogos têm múltiplas contribuições a oferecer.
Em primeiro lugar, podemos analisar como foi a dinâmica no Conselho de Segurança da ONU. Após a aprovação da primeira resolução, que aconselhava o desarmamento imediato do Iraque, os participantes desse "jogo" polarizaram-se entre EUA e Inglaterra de um lado, a favor da guerra, e França de outro, anunciando o veto incondicional e tentando evitar a ação imediata no Iraque.
Em um jogo, pressupõe-se que cada participante maximize seu próprio bem-estar, mas, além disso, cada participante faz o melhor para si assumindo que cada um de seus oponentes no jogo também maximizará seu próprio bem-estar. Dessa forma, cada ação leva em conta a reação dos outros participantes que tentam otimizar seus próprios interesses. Este é basicamente o princípio da teoria dos jogos, que nos leva a avaliar com mais lógica as estratégias utilizadas por cada participante da recente discussão diplomática. Cada país agiu visando garantir seus interesses internos, mas, ao mesmo tempo, considerando e reagindo ao posicionamento dos outros países.
Aplicando a teoria dos jogos, vejamos a posição norte-americana. O jogo de interesses do governo Bush, como qualquer outro governo democrático, é assumidamente priorizar a opinião pública interna "vis-à-vis" a externa. O que interessa primordialmente ao governo norte-americano é a reeleição em 2004, e não a admiração do resto do mundo. Se os americanos apoiavam um ataque ao Iraque, mesmo sem a aprovação da ONU, a guerra era a melhor opção para os EUA em qualquer situação, independentemente da reação francesa.
Vejamos a posição do governo francês, que também é eleito pelo seu povo. A opinião pública francesa demonstrava a contrariedade dos eleitores com relação a esse ataque ao Iraque. Sabendo que a maximização de seu bem-estar dependia do apoio de seu eleitorado, o governo francês não poderia apoiar a estratégia norte-americana sem prejudicar seus próprios interesses. Assim, a estratégia francesa era vetar a resolução, e não havia como prosseguir com a solução diplomática para esse conflito.
Na linguagem da teoria dos jogos, a estratégia americana foi declarar guerra ao Iraque a fim de fazer preponderar o interesse dos eleitores americanos; levando em conta que era do interesse da França vetar uma segunda resolução, a reação americana foi iniciar a guerra sem enviar essa segunda resolução. Efetivamente, se analisarmos o comportamento do governo americano, veremos que este é bastante consistente com as pesquisas de opinião internas. O Instituto Gallup informa que, desde setembro de 2002, a maioria dos americanos se mantém favorável à guerra. Isso é consistente com o fato de o governo Bush ter insistido na guerra contra o Iraque desde então.


O que interessa ao governo norte-americano é a reeleição em 2004, e não a admiração do resto do mundo


Iniciado o conflito, temos um caso típico de informação assimétrica. O governo americano pauta a guerra baseado na opinião pública. Entretanto o público americano encontra-se muito menos informado com relação a esta guerra do que o público francês, por exemplo. Tem sido motivo de diversas reportagens o fato de que a imprensa americana não está divulgando grande parte das notícias da guerra, seja com relação às argumentações internacionais, seja com relação a prisioneiros. Assim, um governo que supostamente tem informações detalhadas sobre sua ação justifica esta mesma ação com base na opinião de pessoas que estão formando seus conceitos com conhecimento enviesado -o que é muito importante para um governo que visa a reeleição.
Também não seria correto dizer que a guerra por si só, apoiada pela opinião pública, seria suficiente para promover a popularidade do governo Bush. O interesse norte-americano está no petróleo do Iraque (a segunda maior reserva do mundo). Seria conveniente o acesso de empresas americanas a esse petróleo. Além disso, a reconstrução do país, sendo feita por companhias dos EUA, seria paga pelo próprio Iraque, com a participação que eles teriam na exploração do petróleo. Finalmente, há o poder estratégico que a riqueza hídrica do Iraque forneceria a seu detentor em relação aos países da região.
Outros países, a favor e contra o conflito, posicionam-se tentando participar dos ganhos envolvidos no pós-guerra, e não por simpatizarem ou não com os americanos.
A principal lição que a teoria dos jogos tem a nos dar é que a opinião pública interna, traduzida em votos na eleição vindoura, é que está decidindo o rumo da guerra; no entanto pouca atenção tem sido dada aos fatores internos. De certa forma, é um benefício da democracia e uma lição para o eleitorado. O eleitor pode não perceber, mas é ele quem dita o rumo dos acontecimentos.
Tal fato vale como um aviso para quem luta pela paz: a maior arma que temos é tentar convencer a opinião pública americana de que a guerra não é uma luta do bem contra o mal nem uma cruzada pela democracia. De pouco adiantam protestos em embaixadas ou passeatas do outro lado do mundo, se os americanos nem sabem o que se passa. O front pela paz está na guerra pela informação dos que assistem às batalhas, confortavelmente, em suas casas.


Regina Madalozzo, 32, doutora em economia pela Universidade de Illinois (EUA), e Marcelo Moura, 30, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), são professores do Ibmec Educacional São Paulo.


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