|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
Jogos de guerra
REGINA MADALOZZO e MARCELO MOURA
O ataque das forças anglo-americanas ao Iraque e os fatos que o
precederam têm muitos pontos estratégicos a serem analisados.
Decisões sobre estratégia, cooperação
ou não-cooperação e disseminação de
informação entre indivíduos são alguns
dos temas estudados na área de teoria
dos jogos. Este campo da economia recentemente ganhou notoriedade com o
Prêmio Nobel concedido ao matemático John Nash. Atualmente, com a crise
do Iraque, economistas e estudiosos de
teoria dos jogos têm múltiplas contribuições a oferecer.
Em primeiro lugar, podemos analisar
como foi a dinâmica no Conselho de Segurança da ONU. Após a aprovação da
primeira resolução, que aconselhava o
desarmamento imediato do Iraque, os
participantes desse "jogo" polarizaram-se entre EUA e Inglaterra de um lado, a
favor da guerra, e França de outro,
anunciando o veto incondicional e tentando evitar a ação imediata no Iraque.
Em um jogo, pressupõe-se que cada
participante maximize seu próprio
bem-estar, mas, além disso, cada participante faz o melhor para si assumindo
que cada um de seus oponentes no jogo
também maximizará seu próprio bem-estar. Dessa forma, cada ação leva em
conta a reação dos outros participantes
que tentam otimizar seus próprios interesses. Este é basicamente o princípio
da teoria dos jogos, que nos leva a avaliar com mais lógica as estratégias utilizadas por cada participante da recente
discussão diplomática. Cada país agiu
visando garantir seus interesses internos, mas, ao mesmo tempo, considerando e reagindo ao posicionamento
dos outros países.
Aplicando a teoria dos jogos, vejamos
a posição norte-americana. O jogo de
interesses do governo Bush, como qualquer outro governo democrático, é assumidamente priorizar a opinião pública interna "vis-à-vis" a externa. O que
interessa primordialmente ao governo
norte-americano é a reeleição em 2004,
e não a admiração do resto do mundo.
Se os americanos apoiavam um ataque
ao Iraque, mesmo sem a aprovação da
ONU, a guerra era a melhor opção para
os EUA em qualquer situação, independentemente da reação francesa.
Vejamos a posição do governo francês, que também é eleito pelo seu povo.
A opinião pública francesa demonstrava a contrariedade dos eleitores com relação a esse ataque ao Iraque. Sabendo
que a maximização de seu bem-estar
dependia do apoio de seu eleitorado, o
governo francês não poderia apoiar a
estratégia norte-americana sem prejudicar seus próprios interesses. Assim, a
estratégia francesa era vetar a resolução,
e não havia como prosseguir com a solução diplomática para esse conflito.
Na linguagem da teoria dos jogos, a
estratégia americana foi declarar guerra
ao Iraque a fim de fazer preponderar o
interesse dos eleitores americanos; levando em conta que era do interesse da
França vetar uma segunda resolução, a
reação americana foi iniciar a guerra
sem enviar essa segunda resolução. Efetivamente, se analisarmos o comportamento do governo americano, veremos
que este é bastante consistente com as
pesquisas de opinião internas. O Instituto Gallup informa que, desde setembro de 2002, a maioria dos americanos
se mantém favorável à guerra. Isso é
consistente com o fato de o governo
Bush ter insistido na guerra contra o
Iraque desde então.
O que interessa ao governo norte-americano é a reeleição em 2004, e não a admiração do resto do mundo
|
Iniciado o conflito, temos um caso típico de informação assimétrica. O governo americano pauta a guerra baseado na opinião pública. Entretanto o público americano encontra-se muito menos informado com relação a esta guerra do que o público francês, por exemplo. Tem sido motivo de diversas reportagens o fato de que a imprensa americana não está divulgando grande parte
das notícias da guerra, seja com relação
às argumentações internacionais, seja
com relação a prisioneiros. Assim, um
governo que supostamente tem informações detalhadas sobre sua ação justifica esta mesma ação com base na opinião de pessoas que estão formando
seus conceitos com conhecimento enviesado -o que é muito importante para um governo que visa a reeleição.
Também não seria correto dizer que a
guerra por si só, apoiada pela opinião
pública, seria suficiente para promover
a popularidade do governo Bush. O interesse norte-americano está no petróleo do Iraque (a segunda maior reserva
do mundo). Seria conveniente o acesso
de empresas americanas a esse petróleo.
Além disso, a reconstrução do país, sendo feita por companhias dos EUA, seria
paga pelo próprio Iraque, com a participação que eles teriam na exploração do
petróleo. Finalmente, há o poder estratégico que a riqueza hídrica do Iraque
forneceria a seu detentor em relação aos
países da região.
Outros países, a favor e contra o conflito, posicionam-se tentando participar
dos ganhos envolvidos no pós-guerra, e
não por simpatizarem ou não com os
americanos.
A principal lição que a teoria dos jogos
tem a nos dar é que a opinião pública interna, traduzida em votos na eleição
vindoura, é que está decidindo o rumo
da guerra; no entanto pouca atenção
tem sido dada aos fatores internos. De
certa forma, é um benefício da democracia e uma lição para o eleitorado. O
eleitor pode não perceber, mas é ele
quem dita o rumo dos acontecimentos.
Tal fato vale como um aviso para
quem luta pela paz: a maior arma que
temos é tentar convencer a opinião pública americana de que a guerra não é
uma luta do bem contra o mal nem uma
cruzada pela democracia. De pouco
adiantam protestos em embaixadas ou
passeatas do outro lado do mundo, se os
americanos nem sabem o que se passa.
O front pela paz está na guerra pela informação dos que assistem às batalhas,
confortavelmente, em suas casas.
Regina Madalozzo, 32, doutora em economia pela Universidade de Illinois (EUA), e Marcelo Moura, 30, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), são professores do Ibmec Educacional São Paulo.
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Denis Lerrer Rosenfield: As facetas do MST Próximo Texto: Painel do leitor Índice
|