São Paulo, sábado, 31 de julho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FERNANDO RODRIGUES

Teto de vidro

BRASÍLIA - A expressão "telhado de vidro" (em inglês, "glass ceiling") tem um significado diferente do usado na versão brasileiro-lusitana. É costume usá-la para indicar a existência de um objetivo visível, mas protegido por um escudo intransponível. Por exemplo, um negro que enxerga uma possível promoção no trabalho, só que sempre esbarra em um "teto de vidro" inquebrável. Não passa pelo obstáculo. Nunca chega lá.
É mais ou menos o que se passa com o Brasil a respeito do crescimento econômico, apesar da quase infantil euforia lulista-paloccista.
A ata da última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central é um potente jato de água fria na crença de que o país já esteja preparado para crescer de maneira sustentada por um longo período -dez anos, como diz Palocci.
O Copom não vai, por um bom tempo, reduzir a taxa de juros, hoje em 16% ao ano. Como é possível? O país faz superávits, paga suas dívidas aos bancos e, no ano passado, o PIB encolheu 0,2%. Não importa. Ocorre que a inflação sobe acima do esperado. A cada dia os jornais trazem notícias de esgotamento de setores produtivos. O último foi o de siderurgia. Já não há aço disponível no mercado -por conta do pífio crescimento de 3,5% ou 4% da economia.
Há uma crença de que a saída para o país superar seu déficit infra-estrutural sejam as tais PPPs (Parcerias Público-Privadas). Enquanto isso, a lei das agências reguladoras fica empacada no Congresso. A de biossegurança, idem. A incerteza jurídica é total, basta ver o caos com as empresas de saúde. Só loucos e abnegados investem em produção no Brasil.
No fundo, o governo petista enxerga onde gostaria de chegar. Só não vê os obstáculos dessa travessia. Corre o risco de se esborrachar num teto de vidro mais adiante. Não porque exista preconceito contra Lula, como há para minorias no mercado de trabalho. Mas, sim, pela falta de sofisticação intelectual para perceber o que precisa ser feito e operar nessa direção.


Texto Anterior: Santander - Clóvis Rossi: O muro
Próximo Texto: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Laranjas e arapongas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.