São Paulo, sábado, 31 de julho de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Laranjas e arapongas

RIO DE JANEIRO - Não se deve culpar o atual governo pela esburacada estrutura que vigora nos dias de hoje. O cupim que devorou a carnação do poder instalou-se na gestão anterior, que, além dos petiscos que oferece à gula dos empreiteiros (estradas, obras, usinas, viadutos etc.), descolou a imensa boca-livre das privatizações, que logo de estalo enriqueceram os intermediários, os corretores de informações e lobistas de todos os tamanhos e feitios.
A curiosa miscelânea de laranjas e arapongas criou uma espécie de governo paralelo no que diz respeito ao martelo final das grandes e médias licitações, dos aglomerados e conglomerados disso e daquilo. Gente que está se lixando para o poder político em si, deixando-o aos profissionais que se esbofam para vencer eleições, saciar os partidos aliados e, ainda por cima, oferecendo a frágil vitrine de vidro aos estilingues da oposição e da mídia.
O caso da espionagem de uma agência estrangeira em negócios internos de nossa economia é apenas um momento na sucessão de outros negócios que envolvem interesses que não os nacionais. É um mercado que se abriu à cobiça de empresários daqui e dali, abastecidos pelos arapongas que fuçam a carniça que resulta de um Estado bichado como o nosso, e representados por laranjas notórios ou clandestinos.
Um país estatizante como o nosso, até há pouco, quando se dispõe a leiloar os principais canais de sua economia, evidentemente se transforma no paraíso de plantão, no "point" da ocasião que atrai todas as moscas.
Apesar disso, não se pode inocentar de todo a estrutura visível e legal do governo, que, de uma forma ou outra, se torna cúmplice ativo ou passivo das complicadas etapas do conluio de laranjas e arapongas.


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