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CARLOS HEITOR CONY
Lagostas e frangos
RIO DE JANEIRO - Se o Supremo
Tribunal Federal, ocupando o vácuo legislativo, se preocupa com o
uso das algemas, nada demais que a
mídia se interesse pela palpitante
questão do cardápio servido a um
banqueiro que está na prisão esperando julgamento.
Destino estranho o das lagostas e
do Brasil. Ia havendo uma guerra
por causa delas, os franceses não
chegaram a brigar, mas um deles, o
general De Gaulle, teria dito que
não somos um país sério. Tudo por
culpa das mesmas.
Não vejo nada demais no fato de
um prisioneiro receber, nos dias de
visita, um reforço de calorias e proteínas vindo de fora, trazido por parentes, amigos ou adquirido com
pecúnia própria dentro das normas
que regulam a questão.
Numa das prisões que cumpri
(1965), em companhia de amigos (a
maioria já se foi da enxovia deste
mundo), passei muito bem de boca.
Dona Lúcia, mãe do Glauber Rocha,
preocupada com o filho que estava
na mesma cela, mandava uns frangos que ela preparava com amor,
frangos dourados, suntuosos e em
quantidade bastante para a fome
de todos.
Posso me esquecer de tudo na vida, menos do sabor daqueles frangos macios, perfumados com a arte
da Bahia de todos os temperos e
cheiros. Na primeira visita que tivemos, Márcio Moreira Alves recebeu
generosa provisão de queijos franceses que uma comissária da Air
France, sua parenta, havia trazido
naquele dia. Foi um banquete de
frangos e queijos, embora sem vinho, apenas com a água da bica do
quartel da Polícia Militar.
Tal como agora, no caso das lagostas do Cacciola, a mídia reclamou daquilo que um coronel chamou de "farra gustativa". Mas os regulamentos estavam sendo cumpridos, ao menos nos primeiros
anos de repressão militar. Pouco
depois, as coisas mudaram.
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