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O DIREITO DE VOTAR
Enquanto os brasileiros vão às
urnas legalmente obrigados a
votar, em dois dias os norte-americanos estarão escolhendo seu próximo
presidente, com a diferença de que
nos Estados Unidos o comparecimento é uma decisão que cabe a cada
um dos eleitores.
Não há dúvida de que o sistema
eleitoral dos EUA não é, em seu todo,
um exemplo a seguir. Ao contrário,
representa um anacronismo político, que, se fazia sentido no final do
século 18, quando foi concebido,
perdeu em parte a razão de ser.
O sistema brasileiro para eleições
majoritárias, baseado no princípio
do "um homem, um voto", é mais
democrático e racional, mas isso não
significa que não possa ser aprimorado. E um dos aspectos diz respeito
precisamente ao voto obrigatório.
Em termos globais, são poucas as
democracias que estabelecem em lei
a necessidade de votar. No Primeiro
Mundo, elas se restringem a Austrália, Bélgica e Luxemburgo, além de
alguns Cantões suíços. Na América
Latina, Brasil, Uruguai, Argentina,
Costa Rica, Equador, México e Venezuela adotam o voto obrigatório.
A principal justificativa é a necessidade de conferir mais representatividade aos eleitos. É um raciocínio defensável especialmente em países cuja democracia ainda não atingiu a
plena maturidade, como é o caso do
Brasil. Em termos conceituais, contudo, não há dúvida de que é preferível deixar a cada cidadão a prerrogativa de optar pelo comparecimento.
Se o voto é um direito -e não há dúvida de que o é-, é preciso que exista
a liberdade de não votar.
A ambigüidade de direitos que são
também deveres encontra seu limite
na noção de liberdade. O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) estabelece a distinção fundamental. Há
dois modos de cumprir um "dever".
Quando o motorista respeita o limite
de velocidade por medo de receber
uma multa, ele age "de acordo com o
dever". Mas o condutor pode também acatar a norma por acreditar
que ela está de acordo com a racionalidade humana, pois proporciona segurança, por exemplo. Nesse caso,
ele age "pelo sentido do dever".
Esse motorista consciencioso é,
para Kant, mais livre do que aquele
que só teme a multa. Paradoxalmente, a obrigatoriedade do voto, que visa a reforçar a democracia, a torna,
no plano dos conceitos, menos livre
e, assim, menos democrática.
Pode-se sustentar que o voto deve
permanecer obrigatório no Brasil até
que as instituições e a consciência cívica estejam mais bem sedimentadas, mas não se deve perder de vista a
meta do voto facultativo. Ele é a contrapartida lógica do exercício da liberdade.
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