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CARLOS HEITOR CONY
Herzog e a cruz
RIO DE JANEIRO - Volto ao assunto das fotos que seriam de Vladimir
Herzog na prisão. Perguntaram-me
se eu ficara chocado com mais aquela
prova das torturas praticadas pelo regime militar. Em se tratando de Herzog, disse que não. Chocou-me, sim, a
foto do jornalista assassinado, na
montagem criminosa de um suicídio
que não houve e no qual ninguém
acreditou.
A viúva de Herzog, naturalmente
traumatizada pelas fotos agora reveladas, reconheceu uma delas como a
do marido, chegando a exibir o relógio que aparece no pulso do torturado e que ela guardou como lembrança. No final da semana passada, admitiu que se enganara, o que também é natural.
As fotos que foram consideradas
(erradamente) como instantâneos
dos últimos momentos de Herzog, tiveram o mérito de revelar, mais uma
vez, a truculência usada pelo regime
contra aqueles que não aceitavam a
opressão. Bom mesmo que tenha sido
de outro prisioneiro, e não de Vladimir. Dele temos a foto definitiva. O
cadáver que manchará para sempre
aquele período de nossa história.
Guardadas as proporções, e salientando apenas a força das imagens, o
que ficou da vida de Cristo foi o corpo
pregado na cruz, na solução final de
um drama que teve, tal como o de
Herzog, dolorosas etapas preliminares. Como símbolo para sua fé, a cristandade não escolheu o Cristo açoitado nem coberto de espinhos, o Cristo caído diversas vezes a caminho do
Calvário. O símbolo final e assombroso de seu sacrifício foi o seu próprio corpo pregado na cruz. E, por extensão, a própria cruz, nua, bastante,
que até hoje assinala o túmulo dos
que acreditam nele, a mesma cruz
que é traçada na testa dos cristãos
que nascem e dos que morrem.
O corpo de Vladimir Herzog pendurado no porão do Doi-CODI não
precisa de antes nem de depois. Ele se
basta. Como símbolo de uma era, dispensa explicação. Fala tudo o que devemos ouvir.
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