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Perfil - José Serra

De papel passado

No início um casamento de conveniência, a relação entre Serra e Kassab tornou-se uma aliança tão sólida que hoje os dois conseguem até simular separação para ganhar o eleitorado

DANIELA LIMA
DE SÃO PAULO

José Serra (PSDB) diz não se lembrar com clareza da primeira vez em que se sentou a sós com Gilberto Kassab (PSD) para tratar de política. O prefeito de São Paulo se recorda de tudo e narra o episódio sem emoção nem detalhes. Foi em março de 2004.

Então deputado federal e filiado ao PFL (hoje DEM), Kassab viajou de Brasília a São Paulo e foi até a casa de Serra. O tucano planejava concorrer à Prefeitura de São Paulo naquele ano, e Kassab tinha a missão de informá-lo de que havia sido escolhido para ser o vice da chapa.

Ao dar a notícia, Kassab seguiu um roteiro: disse que a indicação não era fruto de empenho pessoal, mas da vontade da cúpula do PFL.

Serra ouviu e respondeu com um não. Afirmou que o PSDB sondava outros dois nomes e agradeceu a visita.

"Ele foi transparente, como é sempre", diz Kassab, ao narrar a cena. Nenhum estranhamento? "Não. Voltei a Brasília e as coisas se resolveram naturalmente."

Do PFL, o PSDB trabalhava com os nomes de Alexandre Moraes, promotor e advogado que tem até hoje boa relação com o governador Geraldo Alckmin, e Lars Grael, velejador que, diziam, traria boa imagem para a chapa. Kassab não era uma opção.

Sua indicação resultou de uma intervenção de Jorge Bornhausen, então presidente do PFL, que queria como vice de Serra alguém sobre quem tivesse ascendência.

Ele via Moraes e Grael como forasteiros. Kassab, ao contrário, era um de seus auxiliares mais fiéis.

Como Serra resistia, Bornhausen ameaçou romper a aliança. O tucano argumentava que não conhecia Kassab direito e dizia temer ataques dos adversários por causa da participação dele na administração de Celso Pitta.

Mas Bornhausen foi intransigente. E Serra, que não estava disposto a abrir mão dos minutos de propaganda eleitoral que a aliança lhe daria, foi obrigado a dizer sim a Kassab, três meses depois do encontro em que dissera não.

Antes rejeitado, Kassab se tornou um dos políticos mais próximos do tucano. Na campanha de 2004, Serra saiu em defesa do novo aliado assim que os adversários mencionaram o elo com Pitta. "Não fui ambíguo", diz Serra hoje. "De certa forma, isso trouxe uma relação de lealdade."

Kassab conquistou a confiança de Serra executando tarefas sem questioná-las nem demonstrar contrariedade. Serra foi eleito, e Kassab manteve o comportamento no governo. "Como vice, ele sempre foi um 'nice guy' [cara legal]", afirma o tucano.

O SUCESSOR

Desde a campanha, especulava-se sobre a possibilidade de Serra deixar o mandato pela metade para disputar o governo do Estado ou a Presidência. Assim foi: 15 meses após a posse, ele saiu para ser candidato a governador.

Serra entregou a Kassab a administração da maior cidade do país ao deixar o cargo, mas os dois dizem que não conversaram abertamente sobre o assunto antes da hora, nem combinaram como seria a transmissão do cargo.

"Eu fui acompanhando pela imprensa. Até porque era um assunto delicado", diz Kassab. "No dia [da renúncia], Serra deu uma coletiva e convocou os secretários. Eu fui junto. Foi assim a transmissão", lembra o prefeito.

Serra diz que não tinha cabimento discutir seus planos previamente com o sucessor. "Era um assunto delicado", afirma. "Ele poderia falar algo e parecer que estava querendo que eu saísse."

O tucano diz que achava improdutivo impor condições sobre como o vice deveria trabalhar após sua saída. "Naquela situação, qualquer coisa que eu pedisse, ele diria sim. Quem diria não? Ou eu confiava ou não confiava."

Na campanha de 2006, com Kassab no gabinete do prefeito, Serra continuou se reunindo com secretários municipais. Mesmo fora da prefeitura, tratava o prefeito como vice, mas Kassab nunca manifestou insatisfação.

"O Gilberto tem a característica de nunca contrariar diretamente o interlocutor", diz Serra. "Ele teve o discernimento de manter a base da minha equipe e tocar o plano que tínhamos apresentado."

Eleito governador, Serra transformou Kassab em parceiro político. O primeiro teste de fogo para a dupla se deu em 2008. Kassab decidiu disputar a reeleição, e o PSDB, partido de Serra, lançou candidato próprio: Geraldo Alckmin, recém-derrotado na disputa presidencial de 2006.

As eleições de 2008 provocaram um racha com sequelas visíveis até hoje no PSDB. Alckmistas acusam Serra de, na linha de frente, ter se omitido na campanha para beneficiar Kassab e, nos bastidores, ter articulado uma dissidência no tucanato para fortalecer o ex-vice. Serra nega.

O CONSELHEIRO

Com o apoio de parte do PSDB, Kassab venceu a eleição. Alckmin nem sequer chegou ao segundo turno.

Reeleito, o prefeito subiu de status e tornou-se um dos conselheiros de Serra. Manteve, contudo, seu estilo de "nunca contrariar o interlocutor". Mas Serra aprendeu a ler Kassab nas entrelinhas.

"Ele nunca disse diretamente, mas sei que não era a favor de eu disputar a eleição presidencial em 2010", diz o tucano. "Achava que seria difícil, por conta da aprovação do [ex-presidente] Lula."

Serra disputou e perdeu. Amargou breve período de recolhimento após a derrota e logo voltou a se manifestar sobre temas nacionais, indicando a pretensão de concorrer ao Planalto mais uma vez.

Enquanto o tucano tentava se reposicionar, Kassab decidiu alçar voo solo e avisou Serra que deixaria o DEM para fundar um novo partido.

O tucano diz ter sido contra, mas, em 2011, Kassab lançou o PSD, sigla que se diz de centro, mas é mais alinhada com o governo federal petista do que com a oposição.

A criação do partido aproximou Kassab dos caciques do PT e, em fevereiro de 2012, o prefeito articulou com o ex-presidente Lula o apoio do PSD a Fernando Haddad (PT) na eleição em São Paulo.

O gesto chacoalhou Serra, que se recusava a entrar na corrida à prefeitura. Ele admite que o alinhamento de Kassab com o PT pesou, mas nega que tenha sido "decisivo" para rever sua posição.

A REJEIÇÃO

Em março, o tucano saiu candidato e brecou a aliança do PSD com o PT. Kassab disse aos petistas que não podia passar por ingrato, indo contra quem o alçou ao primeiro escalão da política.

A despeito da aliança com Serra, o prefeito não esconde a vontade de caminhar ao lado da presidente Dilma Rousseff (PT) no plano federal.

Para Serra, essa intensa atividade política é um dos ingredientes que levaram a gestão Kassab a ser reprovada por 48% da população, índice que é um problema para a campanha tucana agora.

Muitos eleitores atribuem a Serra responsabilidade pela gestão do sucessor, o que ajuda a inflar sua rejeição. De acordo com o Datafolha, 45% dizem que não votariam de jeito nenhum em Serra.

O candidato refuta a tese lembrando que Kassab se reelegeu com 61% dos votos em 2008. Há três semanas, o tucano iniciou um movimento para tentar se descolar da imagem do prefeito, passando a tratá-lo em público como um político "autônomo".

Para ressaltar a ideia, Serra chegou a se apresentar como "o candidato da mudança" num debate na TV. Quando um aliado lhe perguntou se ficava incomodado com isso, Kassab mostrou que continua um "nice guy": "Candidato é assim, fala para o futuro. Não há problema".

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