São Paulo, segunda-feira, 03 de janeiro de 2011

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ANÁLISE

História dirá se discurso de 3.604 palavras será lembrado

DISCURSO DE DILMA ESTEVE PRÓXIMO À TRADIÇÃO DA AMÉRICA DO SUL, DE FALAS LONGAS; NOS EUA, CONCISÃO É UMA VIRTUDE

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE SÃO PAULO

Nos dias anteriores a sua diplomação como presidente da República pelo Tribunal Superior Eleitoral, Dilma Rousseff estava lendo a biografia de Abraham Lincoln.
Assessores seus circularam a informação de que ela iria se inspirar, para seu pronunciamento, no célebre discurso do norte-americano em 19 de novembro de 1863, no cemitério da cidade de Gettysburg, onde milhares de vítimas da Guerra Civil estavam enterradas.
O discurso de Gettysburg é um dos grandes clássicos da retórica política universal. Ele está totalmente transcrito em inscrição em pedra no memorial de Lincoln em Washington. Uma das razões de sua fama é a brevidade: são apenas 271 palavras.
No TSE, de fato, a presidente foi relativamente concisa, embora tenha falado o dobro de Lincoln em Gettysburg (543 palavras).
Já no sábado, no discurso de posse diante do Congresso Nacional, Dilma Rousseff esteve muito mais próxima da tradição sul-americana de pronunciamentos longuíssimos do que da norte-americana, em que em geral a brevidade é tida como virtude.
A presidente brasileira falou 3.604 palavras, de acordo com a versão oficial do texto distribuída pelo Palácio do Planalto. Apenas 7 dos 44 presidentes dos EUA fizeram discursos mais compridos do que o de Dilma no sábado, nenhum deles depois de Herbert Hoover, em 1929.
Barack Obama, por exemplo, em 20 de janeiro de 2009 fez um discurso com 2.406 palavras. O de Bill Clinton em 1993 teve 1.507.
O mais curto foi o da segunda posse de George Washington, em 1793: 135 palavras. O segundo mais breve foi proferido na quarta posse de Franklin Roosevelt, em 1945: 559 palavras.
O mais longo foi, provavelmente, a causa da morte do orador. William Henry Harrison discursou ao ar livre em 4 de março de 1841, dia muito frio e úmido em Washington. O texto que leu tinha 8.445 palavras. O presidente morreu um mês depois, vítima de pneumonia.
Evidentemente, extensão nada tem a ver com qualidade. Os três mais elogiados discursos de posse da história dos EUA eram relativamente curtos.
O de Thomas Jefferson em 1801 tinha 1.729 palavras, entre elas o trecho "às vezes se diz que não pode confiar no homem para que ele governe a si mesmo; pode-se, então confiar nele para governar os outros?".
O de Franklin Roosevelt em 1933 tinha 1.883 palavras, das quais ficaram famosas "a única coisa que temos a temer é o próprio temor".
E o de John Kennedy, em 1961, tinha 1.355 palavras, das quais se destacaram "não pergunte o que o seu país pode fazer por você; pergunte o que você pode fazer por seu país".
A história dirá quais, se alguma, das 3.604 palavras ditas por Dilma Rousseff em 1º de janeiro de 2011 sobreviverão na memória coletiva nacional com o grau de reverência com que essas são lembradas pelos americanos.


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