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Corrente alternada
Como ministra, Dilma Rousseff se distanciou das ideias do PT para o setor elétrico e se aproximou de grupos privados
RICARDO BALTHAZAR
DE SÃO PAULO
Na tarde de 13 de dezembro de 2002, um grupo de especialistas acadêmicos e sindicalistas ligados ao PT reuniu-se numa sala da USP
(Universidade de São Paulo)
para discutir a ambiciosa reforma que planejavam fazer
no setor elétrico do país com
a chegada do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva ao poder.
Dilma Rousseff chegou
atrasada. Faltavam apenas
duas semanas para a posse
de Lula e ela chefiava a área
de infraestrutura na equipe
que organizava a transição
para o novo governo.
Quando Dilma entrou na
sala, um integrante do grupo
acabara de discursar contra a
hidrelétrica de Belo Monte,
projeto que descreveu como
uma tentativa de "pilhagem"
dos recursos naturais do país
por grandes empresas.
Dilma também parecia inflamada. "Tem um processo
de apropriação privada que é
monstruoso!", exclamou, de
acordo com uma gravação
feita na época por um participante da reunião e obtida recentemente pela Folha.
"Estamos com a faca e o
queijo", disse. "Nós temos
rumo. Nós temos um projeto." Eletrobras e outras estatais estavam "inteiras" e poderiam ser usadas para promover as mudanças que o PT
desejava, acrescentou.
Lula escolheu Dilma para
comandar o Ministério de Minas e Energia uma semana
depois. Como ministra, ela se
distanciou do grupo que ajudara o PT na campanha, conquistou a confiança de Lula e
ganhou o respeito do setor
privado, fatores que contribuíram mais tarde para sua
escolha como candidata do
presidente à sua sucessão.
Dilma era recém-chegada
ao PT e Lula não a conhecia
muito bem. Mas ela tinha sido secretária de Energia no
Rio Grande do Sul, conhecia
executivos de grupos privados com negócios no setor
elétrico e podia ajudar o novo
governo a lidar com eles.
"ERA PARA OUVIR"
O plano que Lula lançou
na campanha era mal visto
no meio empresarial. A ideia
era dar ao governo e à Eletrobras papel central no setor
elétrico, restringindo a liberdade que os grupos privados
queriam para investir e vender a energia que geravam.
O PT queria soltar as amarras que impediam a Eletrobras e suas subsidiárias de
investir, dando às estatais
vantagens para competir
com as empresas privadas
nos leilões de novas usinas.
O mercado atacadista onde indústrias podiam negociar livremente os preços da
energia seria extinto.
O líder do grupo que sugerira o plano a Lula na campanha era o físico Luiz Pinguelli
Rosa, da Universidade Federal do Rio, que foi nomeado
presidente da Eletrobras. Outro expoente do grupo, o professor Ildo Sauer, ganhou
uma diretoria da Petrobras.
O plano começou a esfarelar na reta final da campanha, num encontro com empresários da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base). Na
véspera, o coordenador do
programa de governo de Lula, Antônio Palocci, deu um
recado a Dilma e outros colaboradores de Pinguelli.
"Era mais para ouvir do
que para falar", diz Pinguelli.
"Ser sensível às demandas
dos empresários." A Abdib
fez várias reuniões com os
petistas em 2002 e as conversas ajudaram a identificar
Dilma como alguém com
quem eles podiam dialogar.
"Ela achava possível aperfeiçoar o modelo em vigor
sem mudar tudo", diz o consultor Eduardo Bernini, que
na época comandava os negócios do grupo português
EDP no Brasil e conhecera
Dilma no Rio Grande do Sul.
MUDANÇA DE TOM
Dilma falou grosso durante a transição. Num encontro
com executivos de empresas
que queriam a continuidade
do mercado livre de energia,
ela os tratou como "atravessadores nefastos", diz uma
testemunha da conversa.
Em outra reunião, Dilma
avisou que o novo governo
iria rever contratos emergenciais que os tucanos haviam
assinado com usinas térmicas depois do apagão de
2001, e que os petistas consideravam especialmente lesivos para os cofres públicos.
O tom mudou quando ela
virou ministra. No dia em que
Lula anunciou a escolha, ela
informou que o futuro do
mercado atacadista, os contratos das térmicas e outras
pendências só seriam definidos depois que representantes do setor fossem ouvidos.
Dilma cercou-se de técnicos de sua confiança no ministério e formou um novo
grupo de especialistas para
discutir a reforma do setor
elétrico. Pinguelli criou outro
grupo na Eletrobras, para defender o plano elaborado pelos petistas na campanha.
As duas equipes debateram suas diferenças durante
quase três meses sem chegar
a um consenso. Dilma encerrou a disputa dispensando o
grupo de Pinguelli e optando
pela proposta do ministério.
"A divisão no governo
transmitia incertezas", diz
Maurício Tolmasquim, braço-direito de Dilma no ministério e hoje presidente da
EPE (Empresa de Pesquisa
Energética). "Optamos pelo
modelo que dava segurança
aos investidores privados."
"METAMORFOSE"
Definidas as linhas gerais,
Dilma e seus assessores passaram a se reunir semanalmente em Brasília com dirigentes das principais empresas do setor e das diversas associações que representam
seus interesses para acertar
os detalhes do novo modelo.
Ele incluiu algumas propostas que Lula lançara na
campanha, criando mecanismos para o planejamento dos
investimentos do setor e novas regras para os leilões dos
futuros empreendimentos e a
comercialização de energia.
Outras ideias foram descartadas. O mercado livre
mudou de nome e foi ampliado. Dilma manteve os contratos das usinas térmicas, que
ameaçara rever. Restrições
que impediam as estatais de
investir foram preservadas.
O novo modelo foi aprovado pelo Congresso em março
de 2004. Pinguelli demitiu-se
da Eletrobras dois meses depois. Sauer viveu às turras
com Dilma até sair da Petrobrás, em 2007. "Houve uma
metamorfose", diz Sauer. "O
novo modelo manteve essencialmente intacto o sistema
que queríamos reformar."
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