São Paulo, sábado, 18 de setembro de 2010

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Corrente alternada

Como ministra, Dilma Rousseff se distanciou das ideias do PT para o setor elétrico e se aproximou de grupos privados

RICARDO BALTHAZAR
DE SÃO PAULO

Na tarde de 13 de dezembro de 2002, um grupo de especialistas acadêmicos e sindicalistas ligados ao PT reuniu-se numa sala da USP (Universidade de São Paulo) para discutir a ambiciosa reforma que planejavam fazer no setor elétrico do país com a chegada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder.
Dilma Rousseff chegou atrasada. Faltavam apenas duas semanas para a posse de Lula e ela chefiava a área de infraestrutura na equipe que organizava a transição para o novo governo.
Quando Dilma entrou na sala, um integrante do grupo acabara de discursar contra a hidrelétrica de Belo Monte, projeto que descreveu como uma tentativa de "pilhagem" dos recursos naturais do país por grandes empresas.
Dilma também parecia inflamada. "Tem um processo de apropriação privada que é monstruoso!", exclamou, de acordo com uma gravação feita na época por um participante da reunião e obtida recentemente pela Folha.
"Estamos com a faca e o queijo", disse. "Nós temos rumo. Nós temos um projeto." Eletrobras e outras estatais estavam "inteiras" e poderiam ser usadas para promover as mudanças que o PT desejava, acrescentou.
Lula escolheu Dilma para comandar o Ministério de Minas e Energia uma semana depois. Como ministra, ela se distanciou do grupo que ajudara o PT na campanha, conquistou a confiança de Lula e ganhou o respeito do setor privado, fatores que contribuíram mais tarde para sua escolha como candidata do presidente à sua sucessão.
Dilma era recém-chegada ao PT e Lula não a conhecia muito bem. Mas ela tinha sido secretária de Energia no Rio Grande do Sul, conhecia executivos de grupos privados com negócios no setor elétrico e podia ajudar o novo governo a lidar com eles.

"ERA PARA OUVIR"
O plano que Lula lançou na campanha era mal visto no meio empresarial. A ideia era dar ao governo e à Eletrobras papel central no setor elétrico, restringindo a liberdade que os grupos privados queriam para investir e vender a energia que geravam.
O PT queria soltar as amarras que impediam a Eletrobras e suas subsidiárias de investir, dando às estatais vantagens para competir com as empresas privadas nos leilões de novas usinas.
O mercado atacadista onde indústrias podiam negociar livremente os preços da energia seria extinto.
O líder do grupo que sugerira o plano a Lula na campanha era o físico Luiz Pinguelli Rosa, da Universidade Federal do Rio, que foi nomeado presidente da Eletrobras. Outro expoente do grupo, o professor Ildo Sauer, ganhou uma diretoria da Petrobras.
O plano começou a esfarelar na reta final da campanha, num encontro com empresários da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base). Na véspera, o coordenador do programa de governo de Lula, Antônio Palocci, deu um recado a Dilma e outros colaboradores de Pinguelli.
"Era mais para ouvir do que para falar", diz Pinguelli. "Ser sensível às demandas dos empresários." A Abdib fez várias reuniões com os petistas em 2002 e as conversas ajudaram a identificar Dilma como alguém com quem eles podiam dialogar.
"Ela achava possível aperfeiçoar o modelo em vigor sem mudar tudo", diz o consultor Eduardo Bernini, que na época comandava os negócios do grupo português EDP no Brasil e conhecera Dilma no Rio Grande do Sul.

MUDANÇA DE TOM
Dilma falou grosso durante a transição. Num encontro com executivos de empresas que queriam a continuidade do mercado livre de energia, ela os tratou como "atravessadores nefastos", diz uma testemunha da conversa.
Em outra reunião, Dilma avisou que o novo governo iria rever contratos emergenciais que os tucanos haviam assinado com usinas térmicas depois do apagão de 2001, e que os petistas consideravam especialmente lesivos para os cofres públicos.
O tom mudou quando ela virou ministra. No dia em que Lula anunciou a escolha, ela informou que o futuro do mercado atacadista, os contratos das térmicas e outras pendências só seriam definidos depois que representantes do setor fossem ouvidos.
Dilma cercou-se de técnicos de sua confiança no ministério e formou um novo grupo de especialistas para discutir a reforma do setor elétrico. Pinguelli criou outro grupo na Eletrobras, para defender o plano elaborado pelos petistas na campanha.
As duas equipes debateram suas diferenças durante quase três meses sem chegar a um consenso. Dilma encerrou a disputa dispensando o grupo de Pinguelli e optando pela proposta do ministério.
"A divisão no governo transmitia incertezas", diz Maurício Tolmasquim, braço-direito de Dilma no ministério e hoje presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética). "Optamos pelo modelo que dava segurança aos investidores privados."

"METAMORFOSE"
Definidas as linhas gerais, Dilma e seus assessores passaram a se reunir semanalmente em Brasília com dirigentes das principais empresas do setor e das diversas associações que representam seus interesses para acertar os detalhes do novo modelo.
Ele incluiu algumas propostas que Lula lançara na campanha, criando mecanismos para o planejamento dos investimentos do setor e novas regras para os leilões dos futuros empreendimentos e a comercialização de energia.
Outras ideias foram descartadas. O mercado livre mudou de nome e foi ampliado. Dilma manteve os contratos das usinas térmicas, que ameaçara rever. Restrições que impediam as estatais de investir foram preservadas.
O novo modelo foi aprovado pelo Congresso em março de 2004. Pinguelli demitiu-se da Eletrobras dois meses depois. Sauer viveu às turras com Dilma até sair da Petrobrás, em 2007. "Houve uma metamorfose", diz Sauer. "O novo modelo manteve essencialmente intacto o sistema que queríamos reformar."


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