São Paulo, Sábado, 08 de Janeiro de 2000 |
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Rorty e as esquerdas
IVAN DOMINGUES
Sabe-se que os termos "esquerda" e "direita" foram forjados depois da Revolução Francesa para designar os lugares ocupados (fisicamente) pelos membros das diversas facções na Assembléia: no período da Convenção, o vocábulo esquerda referindo-se aos "Montagnards" (também chamados de Jacobinos), centro à "Plaine" (Planície) e direita aos Girondinos. Sabe-se que pouco depois, na própria França, houve um embaralhamento entre a esquerda e a direita, como bem viu Marx no "18 Brumário" ao aludir à revolução de 1848 e suas contradições: constitucionalistas que conspiram contra a Constituição, revolucionários que viram constitucionalistas, realistas que se aliam aos republicanos e assim por diante. Passados 150 anos, depois que a esquerda comunista abandonou a veleidade de monopolizar o ideário da esquerda, tal embaralhamento só se aprofundou, a ponto de os franceses dizerem hoje que, quando querem um governo de direita, votam na esquerda, fazendo o contrário quando querem um governo de esquerda. Diante de tal embaralhamento (real) e ante a perplexidade das esquerdas (total), nada mais fácil para um pragmatista (que tudo mitiga) do que mitigar esquerda e direita e propor um centro mitigado, pensado como o verdadeiro "tópos" da política, mais além ou mais aquém da direita e da esquerda. O mérito do livro de Rorty foi ter evitado esse caminho óbvio. Preferiu manter o divisor de águas entre a esquerda e a direita, ficando de um dos lados da linha divisória. Se ele mitiga alguma coisa, é a própria esquerda americana, ao juntar a esquerda reformista, a esquerda radical e a nova esquerda. Outro mérito, ao manter os pólos esquerda/ direita, é sua tentativa (ainda que sem levá-la às últimas consequências) de pensar os embates da política a partir do que se poderia chamar de agonismo político, tentativa que o leva em defesa da democracia, como sendo aquela forma de organização política que melhor se presta à expressão e operação dos conflitos permanentes das comunidades dos homens, incluído o conflito entre a esquerda e a direita. Todavia, como não registrar o desconforto de ver o autor (em nome da democracia) partir em defesa da Guerra Fria, sem levar em conta os estragos terríveis que ela acarretou por toda a parte -no Vietnã, na América Latina e em outras paragens? Recentemente, depois do colapso da União Soviética, em artigo publicado no Mais!, pudemos ler de novo Rorty defendendo a democracia, ao apoiar a invasão de Kosovo pelas tropas americanas e seus aliados da Europa. Espera-se que no Brasil, depois do fim do pensamento único, um dia alguém faça um trabalho parecido, ainda que entre nós a esquerda não seja a mesma. Ivan Domingues é professor do departamento de filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais. Texto Anterior: Hilário Franco Júnior: Um besteirol historiográfico Próximo Texto: Marcelo Coelho: Tagarelices de Gadda Índice |
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