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Álvares inteiro
Poesias Completas
Álvares de Azevedo
Péricles Eugênio da Silva Ramos (org.)
Ed. da Unicamp (Tel. 0/xx/19/3788-7786)
608 págs., R$ 60,00
CILAINE ALVES CUNHA
Em muitos aspectos, estas "Poesias Completas" se impõem
como uma das mais definitivas fixações dessa obra, superando
diversos problemas criados desde as primeiras edições. Além de
um dos maiores estudiosos do período romântico e das técnicas
de poética e retórica, Péricles Eugênio da Silva Ramos conhecia
bem a obra de Álvares de Azevedo que, seja devido às dificuldades internas, seja à morte prematura do poeta, propicia diversos
impasses a uma edição.
Além de sua divagação e prolixidade, que geram a indeterminação do sentido, esse poeta rompe com as convenções de gênero, o que redunda em obras programaticamente inacabadas.
Forja-se esse fenômeno também por meio da adoção da forma
"fragmento" ou pela conivência do autor com o inacabamento
propriamente dito, aparentemente inconcluso, como é o caso
de "Macário". Se a liberdade poética contemporânea sela definitivamente o rompimento com a tradição, desestabilizando a
forma externa por meio do verso livre, o inacabamento romântico incide sobre a forma interna, sobre seu tom predominante.
No poema "O Editor", por exemplo, Azevedo respeita as técnicas de metrificação, mas constrói uma "persona" satírica que,
autodenominando-se plagiador de Torquato Tasso, discorre
sobre a prática do plágio, jogando a introdução para o meio do
poema, a conclusão para o início e a argumentação para o final.
Em "Boêmios", em que se dialoga com uma passagem de "Nossa Senhora de Paris", de Victor Hugo, surge inesperadamente,
ao final, um "Prólogo" que personifica, à maneira de Kleist, um
crítico da inflexão do drama, anteriormente encenado, aos moldes antigos, contrapondo-lhe a necessidade de renovação da
comédia, num tipo que ainda não teria sido escrito e que ridicularizaria nobreza e clero.
Até esta publicação, uma primeira tentativa de edição criteriosa coube a Homero Pires ("Obras Completas", 1942), que respeita as bizarrices estruturais e as supostas irregularidades métricas, além de ter contribuído para uma melhor ordenação do
conjunto. Mesmo procurando restituir o texto à primeira edição, organizada por Jaci Monteiro, primo e amigo do poeta, Pires não escapou de inúmeras alterações indevidas, efetuadas
por Joaquim Norberto, em edições posteriores à primeira. Péricles Eugênio, por sua vez, toma como ponto de partida a primeira edição, procurando corrigir os problemas que se mantiveram desde 1861, quando a Garnier comprou o direito de propriedade da obra de Azevedo.
Nessa mesma década em que a Garnier delega a organização
dessa obra a Joaquim Norberto, a linguagem mais negativista e
macabra de Azevedo obtinha sucesso de público. Os críticos afinados com a poesia nacionalista reagem a essa glorificação, divulgando textos que procuram desqualificar a obra azevediana,
alegando sua imoralidade e falta de amor à pátria. Na organização de Norberto, essa reação comparece nas alterações de sentido e da escassa pontuação do poeta, o que contribui para a cadência melodiosa dos versos, evidenciando a tentativa de destacar não o ceticismo, mas a sentimentalidade, antídoto com que
o nacionalismo oficial esperava deter a descrença com a política
imperial.
Ao apontar e corrigir as alterações de Norberto, mantidas em
Pires, Péricles Eugênio procura respeitar a singular pontuação
azevediana, anota as variantes de passagens insolúveis, além de
identificar personagens e apropriações feitas da tradição. Na seção "Esparsos", incorporam-se, pela primeira vez ao corpus da
obra, diversos poemas, sendo dois deles inéditos ("Amor e
Morte" e "Décima"), extraídos do álbum da irmã do poeta.
Num critério eminentemente crítico, Péricles Eugênio selecionou oito cartas do poeta, esclarecedoras da obra. Apresenta ainda uma pequena divergência com Homero Pires.
A terceira parte de "Lira dos Vinte Anos" constitui-se de uma
coleção de poemas compostos após o autor ter preparado o livro que planejava publicar, em conjunto com Bernardo Guimarães e Aureliano Lessa, com o título "As Três Liras", projeto interrompido com a morte de Álvares de Azevedo (1852), depois
modificado para "Lira dos Vinte Anos". Mesmo manifestando,
em vida, desejo de distribuir essa posterior coleção entre as duas
primeiras seções desse livro, não deixou claro qual poema entraria em uma ou outra. Esse conjunto ganhou, de Joaquim
Norberto, o título de "Terceira Parte".
Em sua edição, Pires alterou a organização desses poemas feita por Norberto. Adotando, parcialmente, o critério de transformação sofrida pela obra ao longo de sua composição, insere,
adequadamente, na "Segunda Parte", composta de poemas de
nota predominantemente prosaica e humorística, os poemas
"Terza Rima", "Namoro a Cavalo" e "O Editor" etc. Mas, na terceira delas, encaixa poemas negativistas e irônicos, mais condizentes com a seção "Poesias Diversas", ao lado de outros ingênuos e idealistas, evidentemente do primeiro bloco do livro.
Considerando a primeira edição, em que a "Terceira Parte"
denomina-se "Continuação", Péricles Eugênio a reclassifica, em
"poesias compatíveis" ou "com a primeira" ou "com a segunda
parte", mas seleciona, para cada uma delas, os mesmos poemas
encaixados por Pires nas duas últimas seções do livro.
A qualidade crítica desta edição e o resultado mais completo
do conjunto decorrem das múltiplas capacitações de Péricles
Eugênio (1919-1992), poeta, crítico literário militante, teórico da
literatura e tradutor de poesias românticas e de clássicos da literatura ocidental. Estabeleceu ainda uma longa convivência com
a obra de Álvares de Azevedo, que já publicara, em 1957, pela
editora Saraiva, com muitos critérios editoriais revistos na nova
edição.
O mérito se deve também à seriedade e zelo da crítica literária
Iumna Maria Simon, que, com o auxílio da família do estudioso,
encontrou a cópia integral da edição em 1993, preparando-a
desde então. Essa edição integrava, inicialmente, um projeto dirigido por José Aderaldo Castello, na Editora LTC, interrompido em 1981, antes da publicação de muitos títulos. A seriedade
do trabalho de Péricles Eugênio pode ser confirmada também
na valiosa discussão da "Introdução" e das notas, sobre as duplas grafias e a expressão de arcaísmos, regionalismos e galicismos na obra de Álvares de Azevedo.
Cilaine Alves Cunha é autora de "O Belo e o Disforme" (Edusp) e professora de
teoria literária na USP.
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