São Paulo, sábado, 09 de novembro de 2002 |
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Nossa TV
O Império do Grotesco
Muniz Sodré retoma, em co-autoria com Raquel Paiva, o tema
de seu "Comunicação do Grotesco". O novo tratamento é oportuno, adequado a tempos em que o popularesco volta a dar a tônica da programação televisiva e os "reality shows" como que
confirmam e dão continuidade a elementos que ele detectou
com propriedade nos primórdios da televisão brasileira. O livro
parte de uma discussão, no âmbito da estética e da dramaturgia,
sobre a definição de grotesco, para terminar em mapeamentos
empíricos concretos na literatura, no cinema e na televisão. A
estética emerge aqui como campo de manifestações sensíveis
que não se limita à arte. Com um instrumental que alude a Mikhail Bakhtin e aos linguistas pragmáticos do Círculo de Praga,
os autores enfrentam, no final do livro, a análise de programas
da TV brasileira, com destaque para figuras como Chacrinha e
Ratinho. Eventos que marcaram a trajetória de nossa TV, como
aparições de Seu Sete em programas de auditório durante o governo Médici, também são mencionados, em conexão com o
grotesco e com padrões estéticos associados a determinados
segmentos sociais e configurações ideológicas e políticas.
O cinema moderno nasceu em torno da idéia de autoria. O
grupo que se aglutinou nos "Cahiers du Cinéma" fez a "nouvelle
vague", dialogou com o cinema clássico e com os cinemas nascentes, chamou a atenção para a possibilidade do desenvolvimento de estilos pessoais no produto audiovisual industrial. Alfred Hitchcock e Douglas Sirk são alguns dos "autores" hollywoodianos celebrados pela reflexão e pelo trabalho de "autores"
europeus como André Bazin, François Truffaut ou, uma década
depois, Rainer Werner Fassbinder. No Brasil, como alhures, a
teledramaturgia não se beneficiou da mesma atenção conceitual
que o cinema. O livro de Lisandro Nogueira discute essa lacuna
elegendo como referência a telenovela brasileira. Tomando o
trabalho de Gilberto Braga como exemplo principal -especialmente "O Dono do Mundo", uma novela que foi reformulada
para fazer frente à acentuada queda de audiência-, Lisandro
defende a força da autoria na televisão. O livro é rico em informações sobre o processo de criação de um grande teledramaturgo contemporâneo.
Com base em sua própria experiência como correspondente
internacional, testemunha de alguns dos eventos históricos
mais significativos do final do século 20, como a queda do Muro
de Berlim ou a perestroika, José Arbex reflete sobre a lógica que
rege o jornalismo contemporâneo. Calçado em um estilo ensaístico ágil, Arbex especula sobre as regras que produzem espetáculos para consumo cotidiano ao redor do mundo -no cinema, na televisão, no jornalismo e na ficção. Na linha de "Sobre a
Televisão", de Pierre Bourdieu, e dialogando com uma bibliografia ampla e eclética, Arbex aborda criticamente aspectos formais e econômicos da mídia contemporânea. O livro discute os
mecanismos convencionais de construção da notícia embutidos em decisões editoriais guiadas por lógicas empresariais e de
poder. Arbex aponta a concentração crescente de empresas em
conglomerados com atuação global e em áreas tão díspares
-ou talvez nem tanto- quanto as indústrias bélica e televisiva.
Os autores sistematizam o estado das artes na teledramaturgia
colombiana, mas, antes do exame de obras específicas, especulam sobre o estatuto do audiovisual no continente latino-americano. Salientam a operação de deslocamento temático-espacial
que o meio televisivo realiza, ao escapar do controle hierárquico
de instituições "tradicionais" como a família, a escola ou o partido político, acostumadas a um modelo pedagógico de comunicação. Mais do que criar conteúdos, como sugere Meyrowitz, a
televisão operaria deslocamentos de repertórios, capazes de desorganizar práticas que confinam assuntos a determinados segmentos de idade, gênero ou classe. Ao tornar repertórios restritos acessíveis a públicos amplos, a televisão acenaria com a possibilidade de inclusão. Na América Latina onde a cultura letrada
funciona há séculos, entre outras coisas, como repositório restrito, o audiovisual adquire potencial específico. Entrando nos
meandros das formas audiovisuais predominantes no continente, os autores avançam a hipótese que relaciona a insistência
na estrutura do melodrama com a reiterada busca de identidade
que caracteriza os países do Novo Mundo, de colonização ibérica, marcados pela miscigenação. |
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