São Paulo, sábado, 14 de setembro de 2002 |
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Tem lógica?
Lógicas no Futebol
Se a torcida continua em festa, embora meio sonolenta, como quem acordasse
após um sonho triunfal, sem entender muito bem o que aconteceu, é hora de fartar-se na leitura, na tentativa de interpretar esse sonho. O primeiro livro que vem-nos à mão é um belíssimo tratado que nos apresenta a seguinte questão: futebol tem lógica? Tem tanta que a seleção do Felipão sagrou-se penta, quando, na véspera, era um deus-nos-acuda. Quem nos explica essa? O trabalho de Luiz
Henrique nos conduz a esse mundo maravilhoso, que ganha matizes e significados os mais intrigantes, exatamente porque esse campo de investigação, o do futebol, lugar da emoção e do imponderável, tem os mais inusitados efeitos sobre
os profissionais, os cronistas esportivos e a torcida, personagens de um espetáculo, cuja "mise-en-scène" aqui é do antropólogo. Apesar de muitos olhares desconfiados, o futebol vai chegando à academia para ficar, sem preconceitos, com mais uma contribuição que prima pelo rigor, pela investigação exaustiva e beleza de estilo, próprios de quem conhece as firulas do futebol e da escrita.
Desde a época pré-colombiana, na América Central, os maias já praticavam
um jogo com bolas de borracha. A coisa era tão séria que os vencedores decapitavam os vencidos e continuavam o jogo, chutando-lhes as cabeças, no segundo
tempo.
Com belíssimas ilustrações, o autor vai narrando com muita simplicidade os
primórdios do futebol, para convencer-nos de que a história de Charles Miller ter
trazido o futebol para o Brasil não passa de um mito. Na verdade, já no Colégio
São Luís, de Itu, desde 1894, os alunos disputavam partidas de futebol, pois os jesuítas haviam conhecido o esporte na Inglaterra e consideravam-no o mais adequado para seus objetivos de formação. Muitos alunos do colégio São Luís se encarregaram de levar o futebol para outros estados. Um fato interessante do livro,
e que deve irritar profundamente os argentinos, é que, na primeira Copa Roca,
vencida pelos brasileiros, houve um gol de mão da Argentina, que ia ser validado
pelo juiz, mas um jogador argentino adiantou-se e revelou que o gol tinha sido de
mão. Não é preciso dizer mais nada.
No meio de tanta euforia em torno da seleção de 1982, considerada uma das
melhores após as de 58 e de 70, João Saldanha mostrava as falhas de preparação e
de indecisão na escalação do time principal. Com vinhetas de Luiz Paulo Baravelli e lindas fotos da copa de 82, temos aqui a lucidez do espírito de porco, conhecedor profundo e apaixonado torcedor, figura admirável, que montou o time
campeão de 70, um comunista convidado a treinar a seleção no tempo da ditadura militar. Pode uma coisa dessas?
Este catálogo da exposição que teve como curadores Jal e Gualberto Costa, no
Sesc Ipiranga, traz as caricaturas de todos os técnicos da seleção brasileira, de
Sylvio Lacreca a Felipão, reproduções de caricaturas desde 1922 e artigos de algumas figuras importantes do futebol e da crítica esportiva e acadêmica, como Armando Nogueira, Cacá Rosset, Carlos Alberto Parreira, Casagrande, Flávio Gikowate, Gual & Jal, José Guilherme Magnani, José Miguel Wisnik, Juca Kfouri,
Luiz Henrique de Toledo, Orlando Duarte, Paulo Nassar, Roberto Da Matta, Ruy
Castro, Soninha, Ugo Giorgetti e Zelio Alves Pinto. Com capa de Ziraldo, traz, de
quebra, textos de Clarice Lispector, Eduardo Galeano e Nelson Rodrigues. A orelha dos técnicos do esporte do imponderável, que, por isso mesmo, é definido como "jogo", fica em brasa. Adianta fazer careta, esbravejar, terninho impecável
para impressionar? Técnico bom era Vicente Feola, que dormia durante o jogo. |
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