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Prótese devolve a visão a quem rejeita transplante
Dispositivo de acrílico é indicado para paciente que já recusou várias córneas
Aprovada nos EUA, mas não no Brasil, ceratoprótese é usada no país por grupos de pesquisa; paciente pode voltar a ver em 1 ou 2 dias
Filipe Redondo/Folha Imagem
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Antônio Alves, 51, que voltou a enxergar após sete anos; ele havia rejeitado dois transplantes
FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL
Em 2001, o agricultor
piauiense Antônio Duarte Alves, 51, foi acometido por uma
úlcera que perfurou suas córneas e o deixou cego. Recebeu
um transplante de córnea em
Brasília e voltou a enxergar.
Mas, seis meses depois, o mundo voltou a "se apagar". Seu organismo havia rejeitado a córnea. Numa segunda tentativa,
teve o mesmo resultado. "Estava muito desgostoso. Não podia
trabalhar na roça e precisava de
ajuda para sair de casa", conta.
Mudou-se para São Paulo e,
há um ano, sentiu-se "como se
tivesse nascido de novo". Graças a um tratamento introduzido recentemente no país, Antonio voltou a enxergar após sete
anos. Trata-se de uma prótese
corneana desenvolvida na Universidade Harvard, nos EUA: a
ceratoprótese de Boston.
Indicada para pessoas com
histórico de múltiplas rejeições
ao transplante ou para casos
em que há grande chance de isso acontecer, a prótese é encaixada em uma córnea doada,
que é implantada no paciente.
Mesmo que ele rejeite a córnea
recebida -o que acontece com
a maioria delas-, continua enxergando graças ao dispositivo,
feito de acrílico. Antibióticos
são receitados pelo resto da vida para controlar a inflamação.
"Se o paciente rejeita um
transplante convencional, a
córnea fica opaca de novo e sua
visão não se reabilita. Mas, nesse caso, ele fica com essa janela
de acrílico no centro, por onde
enxerga", explica o oftalmologista Lauro Augusto de Oliveira, responsável pelo setor de
ceratoprótese da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), onde Antônio foi tratado.
Vítimas de queimaduras e
pessoas com certas doenças autoimunes são as principais beneficiadas. Segundo Oliveira,
esteticamente a diferença é mínima. "Dificilmente alguém vai
reconhecer." Infecção, afinamento da córnea e formação de
uma membrana (corrigível
com laser) são as intercorrências mais comuns.
Em geral, a melhora na visão
é considerável -isso só não
ocorreu em dois dos 12 pacientes tratados na Unifesp, e, segundo Oliveira, eles já tinham
outros comprometimentos no
olho que dificultavam o quadro.
Até agora, não houve nenhum
caso de expulsão da prótese.
Segundo dados estrangeiros,
após dois anos da cirurgia, 85%
dos pacientes enxergam bem
com a prótese. Nas pessoas que
fazem o transplante comum
pela segunda fez, o índice de sucesso é de 40%.
Diferentemente do que ocorre no transplante comum, no
qual o paciente demora de quatro a seis meses para ter uma visão funcional, com a ceratoprótese ele volta a enxergar 24 a 48
horas após a operação. "É de arrepiar. Tive um paciente que
não enxergava havia 12 anos.
Nunca tinha visto o filho, de 11.
Quando tirei o curativo, ele ficou olhando para suas mãos,
para a camisa que vestia, para a
mulher. É inacreditável no primeiro dia ter uma recuperação
dessas", diz Oliveira.
Aprovação
Desenvolvida na década de
60, a ceratoprótese de Boston
foi aperfeiçoada e ganhou popularidade nos anos 90. Em
1992, foi aprovada pela FDA
(agência que regula alimentos e
remédios nos EUA). Já foi implantada em 3.000 pacientes.
No Brasil, ela ainda não tem a
aprovação da Anvisa (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária), mas o grupo da Unifesp
prepara uma solicitação que
deve ficar pronta em um mês. A
prótese custa US$ 3.000.
Por enquanto, a cirurgia é feita via protocolos de pesquisa. O
da Unifesp começou há cerca
de um ano. Em 2008, um grupo
do Hospital de Clínicas de Porto Alegre publicou um artigo
relatando sua experiência com
a prótese em oito pacientes. O
oftalmologista Sérgio Kwitko,
líder do trabalho, diz que já
usou a prótese em 16 pessoas.
Há outros tipos ceratoprótese, mas, segundo os especialistas, a de Boston é bem mais
vantajosa. "É a mais usada no
mundo e a que dá melhor resultado. As outras têm cirurgias
demoradas, riscos maiores ou
indicações mais limitadas", diz
Kwitko. Ele ressalta que a tecnologia não substitui o transplante porque, nesse último caso, a chance de sucesso é maior,
de cerca de 95%. "Em casos rotineiros, a córnea humana ainda funciona melhor."
A taxa de rejeição a transplantes de córnea é de 4,9% no
Estado de São Paulo. Oliveira
diz que a cada retransplante o
prognóstico piora e que há demanda pela alternativa. De junho de 2007 a junho de 2008,
por exemplo, havia 201 inscritos na fila de transplantes com
diagnóstico de queimadura
química no Estado.
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