São Paulo, domingo, 04 de maio de 2008

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Perfil - Camila Morgado

Camila ri de si

'Eu mesma já me achava um porre', diz a atriz, que trocou Luís Carlos Prestes por Reynaldo Gianecchini e os personagens 'intensos' pelo escracho da comédia

por Paulo Sampaio

Camila Morgado, 33, que interpretou a chatíssima May, na novela "América", a densa Manuela, em "A Casa das Sete Mulheres", a lésbica Ana Rosemberg, em "JK", e a revolucionária "Olga", no filme de mesmo nome, já avisou na Globo: "Se me chamarem para mais um personagem 'intenso', vou dizer não". "Faz muito bem", concordou o diretor Denis Carvalho.

Camila ri da própria história. Ela tem rido muito e feito muita gente rir. A atriz deixou por um tempo de entoar os textos sí-laba- por-sí-la-ba, passou do drama ao escracho e está estreando com Reynaldo Gianecchini o clássico do besteirol "Doce Deleite", espetáculo em esquetes montado há mais de 25 anos por Marília Pêra e Marco Nanini. A diretora é Marília.

"Quando a vi em 'Vinicius' (especial com textos do poeta), soube que era uma grande atriz e faria qualquer papel. 'Doce Deleite' é um divisor de águas, é a primeira vez em que faz comédia, canta e dança", afirma a diretora.

é sábado e vai começar a primeira apresentação do espetáculo: os 1.700 lugares do Palácio das Artes, em Belo Horizonte, estão ocupados. Camila e Gianecchini desfilam uma surpreendente galeria de personagens. O público se esvai em gargalhadas e a aplaude em cena aberta. "Estava ficando deprimida porque as pessoas não acreditavam que eu pudesse fazer rir. Eu mesma já me achava um porre", diz Camila.

Depois do espetáculo, os dois atores recebem uma fila de fãs que querem posar para fotos com eles. Em dado momento, Camila deixa um espaço entre ela e Gianecchini, tocando o ombro dele de longe: "Assim a foto já fica montada. é só encaixar o fã entre nós dois". "Gosto muito do bom humor dela", diz Gianecchini. "E do mau humor também. A Camila é do tipo que avisa: 'Hoje estou de TPM'."

O comentado namoro dos dois não existe, diz ela. A fofoca surgiu quando começaram a se preparar para o espetáculo, com aulas de balé e canto. "A gente estava saindo da aula, e um papparazzo nos fotografou. Logo depois apareceu a manchete: 'Gianecchini vai buscar a amada na aula de balé'. Morremos de rir".

Camila teve dois namoros sérios: o primeiro, com o produtor Magno Azevedo, durou três anos. O segundo, com o ator Pedro Brício, dois e meio. Diz estar só. Seu melhor amigo, aquele de quem ela tem a chave da casa e cuida do gato quando ele viaja, é o professor de farmacologia Sérgio Maciel, 42. Ele diz que quem consegue se aproximar dela conhece "uma verdadeira palhaça". "Nós vamos muito à casa um do outro, ela cozinha bem pra burro, a gente assiste a filmes."

Os filmes preferidos de Camila são... -bem, ao falar sobre isso ela resvala na tal intensidade. A voz torna-se ligeiramente gutural, ela capricha nos gestos e solta o emocional: "Quando terminei de assistir a '2001' ["Uma Odisséia no Espaço"], disse a mim mesma: 'Deus, o que faço agora? Fiquei uns dez minutos flutuando. Amo o [Stanley] Kubrick." Ama também o onírico David Lynch, o idiossincrático Wong Kar Wai e, sim, lamentou profundamente a morte de Ingmar Bergman.

Não adianta. Camila explica que não consegue seguir o ritmo naturalista de interpretação nas novelas porque... "Minha formação é de teatro, gosto de dizer as palavras inteiras. Pode ser que um dia eu aprenda a fazer de outro jeito", diz, sem afetação.

Família careta

Camila Ribeiro da Silva (Morgado da mãe) nasceu em Petrópolis, serra fluminense, em uma "família careta", pai, mãe, dois irmãos e avó. "Morávamos em uma casa de vila, todo mundo se conhecia, tinha limoeiro, sabe? Cachorro, quintal... Minha avó fazia doce de pêssego com fruta tirada da árvore", conta.

Quando "pega confiança", Camila expõe francamente sua personalidade: gosta de rir de bobagens, adora um arremedo cômico e troca observações rápidas sobre o entorno.

A pele branquíssima, os cabelos alourados e os olhos azul-boneca dão a ela um aspecto etéreo. Com 1,69 m para 51,5 kg, tem braços e pernas longos e finos. Num momento de humor típico, conta que, em suas idas e vindas a São Paulo, quando ainda não ganhava o suficiente para bancar dois endereços e costumava acampar na casa das pessoas, foi hóspede de duas amigas em Ipanema, num edifício que dava de frente para a favela. "Quando eu abria a janela, colocava a cara pra fora, alguém gritava de lá: 'Fecha a janela, gringa!'."

Ao apresentar o currículo, matraqueia apaixonadamente. Descobriu que queria ser atriz quando foi reprovada no vestibular para medicina; leu no jornal o anúncio do curso de teatro da atriz Monah Delacy, mãe de Cristiane Torloni, e foi atrás. Formouse na Casa das Artes de Laranjeiras (CAL), por onde passaram, entre outros, Patrícia Pillar, Marcelo Anthony e Marcos Palmeira. "Tive sorte porque chamaram o Gerald [Thomas] para montar uma peça de conclusão de curso e, na audição, fiquei com um papel ótimo", lembra.

Depois, foi aprovada no curso de Antunes Filho e trocou o Rio por São Paulo. "Para me sustentar, fui garçonete num restaurante na alameda Lorena [Petaluma, de culinária californiana, extinto]; trabalhei também na cozinha. Meu 'petit gâteau' é incrível", diz.

Após um ano de Antunes e "petit gâteau", Gerald Thomas a convidou para fazer teatro na Croácia. Ficou cinco anos na companhia, até que Jayme Monjardim a descobriu.

Ele conta: "Um produtor de elenco me disse que eu precisava conhecer uma atriz que passava o espetáculo inteiro pondo um ovo. Achei que valia pelo menos saber quem era a figura. Quando a Camila fez o teste, gostei tanto que não a escalei para 'O Clone' porque o papel era pequeno para ela. Preferi esperar e, na [minissérie] 'A Casa das Sete Mulheres', a escalei como protagonista".

Monjardim, que não é exatamente um diretor de planos convencionais em TV, não ouve (ou finge não ouvir) quando se fala sobre o eventual excesso de densidade de Camila. "Ela é a Fernanda Montenegro dos novos tempos." Camila tem 33 anos; Fernanda Montenegro tem 78. Tem muito chão pela frente.


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