São Paulo, domingo, 13 de dezembro de 2009

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SÉRGIO DÁVILA

A questão racial na nova produção cultural dos EUA

por SÉRGIO DÁVILA, de Washington

NEGRITUDE SÊNIOR
(OU NOTÍCIAS DO MUNDO PÓS-RACIAL)

O primeiro ano dos Obama na Casa Branca detona uma explosão de produtos culturais cujo tema é a questão racial nos EUA

Estreou na semana passada, na Broadway, a nova peça de David Mamet. Chama-se "Race" e tem como pano de fundo as relações na era pós racial que supostamente foi inaugurada com a eleição de Barack Obama. São quatro personagens, um advogado branco e um negro, sócios num escritório, que discutem se aceitam o caso de um homem branco mais velho acusado de violência sexual contra uma jovem negra, que não aparece em cena; eles contam com a ajuda de outra jovem negra, novata na firma.

O slogan da peça é "Nada é simples como branco e preto".

Um dos efeitos secundários do primeiro ano do democrata no poder foi deixar todo o mundo mais à vontade para discutir o elefante branco (ou preto) da questão racial no país. O texto de Mamet é só a manifestação mais recente –no caso, a visão de um dramaturgo branco do Meio Oeste norte-americano (ele é de Chicago), para plateias brancas que frequentam teatro em Manhattan–, mas há uma explosão de produtos culturais que são consequência da obamania, iniciada em 2007.

Um dos mais engraçados é "Good Hair", documentário dirigido pelo comediante Chris Rock, cujo tema é a relação das mulheres negras com o seu cabelo. Ele disse que resolveu fazer o filme porque esse é um dos assuntos tabus de sua vida, que mais o assusta e o deixa intrigado. Em Washington, salas lotadas de negros e brancos assistem a meninas e senhoras falarem de suas técnicas de alisamento para ter "cabelo bom" e riem juntos. Consegue imaginar essa cena há dez anos?

Um dos mais chocantes é "Precious", longa de ficção que deve estrear no Brasil em janeiro. O filme é quase duro demais para ser resumido: a preciosa do título é uma adolescente obesa mórbida e iletrada de 16 anos (a atriz Gabourey Sidibe, que deve ser indicada para o Oscar pelo papel), que tem um filho com síndrome de Down e descobre que está esperando o segundo. O pai de ambos é também o pai dela, que abusava da filha com a cumplicidade da mãe.

É dirigido por Lee Daniels, produtor do excelente "Monster's Ball", de 2001, com Halle Berry e Billy Bob Thornton, e foi baseado no romance "Push", da escritora que assina apenas como Sapphire. Passa-se num conjunto habitacional pobre do Harlem dos anos 1980 e vem provocando reações interessantes de parte dos formadores de opinião negros, que acham que o filme ajuda a reforçar o estereótipo da família disfuncional e violenta do qual eles querem se distanciar.

"Precious" só ganhou a importância que tem porque, a certa altura, o projeto foi adotado pela apresentadora de TV Oprah Winfrey e pelo
multimídia Tyler Perry. Com Obama, eles formam o trio de negros mais poderosos dos Estados Unidos hoje. Citando o pastor e ativista Al Sharpton, o colunista David Carr, do "New York Times", diz que sem Oprah não haveria Obama, porque ela fez os Estados Unidos se sentirem à vontade com um negro diariamente em sua sala de estar.

Já Perry é um caso à parte, um dos produtores, diretores e atores mais bem-sucedidos da indústria do entretenimento. É dele a série de TV "House of Payne", que já passou do centésimo episódio e lhe rendeu US$ 200 milhões, e de uma cinessérie que tem em comum a personagem Madea (ele, vestido como uma velha senhora), composta de cinco filmes que faturaram US$ 400 milhões em bilheteria. Apesar disso, ele ainda não conseguiu sair do gueto da audiência afro-americana.

Também na Era Obama, nada é simples como branco e preto.

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