São Paulo, domingo, 13 de dezembro de 2009

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TERETETÉ ESPECIAL

Daniel Day-Lewis faz sua estréia em musicais

por TETÉ RIBEIRO, em Londres

A INSUPORTÁVEL DESTREZA DE DANIEL

O ator inglês conversa com Serafina em Londres e tenta esconder o jogo sobre sua preparação para viver Guido Contini em "Nine", musical inspirado em filme de Fellini para o qual ele cantou e dançou

Daniel Day-Lewis faz sua estreia em musicais com o filme "Nine", que deve entrar em cartaz no Brasil em janeiro. E não é que até cantar ele canta? Faz uma coreografia também, mas não dá para dizer que dança. "Tenho total consciência de que para aquilo ser considerado dança eu devia ter mexido mais o quadril", brincou o ator em entrevista à Serafina, em Londres.

É seu primeiro trabalho desde "Sangue Negro", de 2007, pelo qual ganhou 26 prêmios de melhor ator em festivais e premiações no mundo inteiro, entre eles seu segundo Oscar (o primeiro foi por "Meu Pé Esquerdo", de 1989). "Nine", o filme, é baseado em "Nine", musical da Broadway do começo dos anos 1980, por sua vez baseado no clássico "Oito e Meio" (1963), de Federico Fellini (1920-1993).

Para o cineasta italiano, a trama de "Oito e Meio" era "semiautobiográfica". O musical conta basicamente a mesma história, a de Guido Contini (Guido Anselmi no original), um cineasta prestes a começar seu novo filme, mas sem uma linha do roteiro escrita.

"Oito e Meio" ganhou esse título porque, quando foi feito, Fellini tinha dirigido seis filmes e três curtas. Na soma do italiano, três curtas valiam por um longa-metragem e meio, então, era como se ele tivesse sete filmes e meio. Assim, o próximo seria seu oito e meio. Com mais algumas músicas e várias estrelas de Hollywood no elenco, virou o musical "Nine", nove em inglês.

Daniel Day-Lewis deu entrevista um dia depois da première do filme. Com o cabelo curtinho, jeans escuro e camiseta branca, revela os braços musculosos e cheios de tatuagens –o esquerdo é quase todo coberto, o direito tem mais pele do que tinta– e esconde quase todo o resto. Para começar, é impossível acreditar que seja um ano mais velho que Madonna, 52, por mais que ele diga que teve de rever o filme de Fellini porque era uma criança quando foi lançado, em 1963. Depois, porque concorda com a fala inicial de seu personagem, quando diz que você pode matar um filme se falar muito sobre ele.

A sua preparação pré-filmagens recebe quase tanta atenção quanto o produto final. O que fez para viver Guido Contini nesse filme?
Comecei a beber negronis no lugar de dry martinis (risos).

Viu "Oito e Meio" antes de filmar?
Revi. E vi também outros filmes do Fellini que não tinha visto. Depois botei tudo em uma caixa e me esqueci deles, senão seria impossível recriar o personagem. Vi também outros italianos da mesma época, os de [Luchino] Visconti, [Pier Paolo] Pasolini, Rossellini, foi a época de ouro do cinema europeu.

Não pensou em dirigir um curta-metragem para ver como é o trabalho de um diretor?
Não. Odiaria ter tanta responsabilidade. Não tenho a menor vontade de ser a pessoa com todas as respostas, estar em todas as reuniões e conhecer todos os problemas de um filme.

Como Guido Contini, você canta e dança. Já é bastante responsabilidade, não?
Foi por isso que eu disse "não" ao diretor quando ele me convidou. Disse vários nãos, de várias formas. Fiz listas de atores que ele poderia chamar, cada um com uma explicação e vários argumentos provando que seriam melhores do que eu.

Assim você reforça a ideia de que mergulha fundo em cada coisa que faz...
(risos) Pode ser. Mas não aprendi a falar italiano fluentemente como já foi escrito, nem pedi que todo mundo me chamasse de Guido o tempo inteiro. Ah, também não cavei um buraco no jardim para me preparar para "Sangue Negro", como também foi dito. Fui eu que falei essa história do buraco, mas era uma piada. Não gosto de falar a verdade sobre esse assunto.

Qual o problema de falar sobre como se prepara?
Não serve para nada. Não vai ajudar nenhum outro ator em nenhum outro papel, e ninguém vai entender mais ou gostar mais do filme com essa informação. E o que um ator faz exteriormente só faz sentido se tiver ressonância na estranha alquimia que acontece entre o subconsciente e o espírito, se é que existe mesmo alguma coisa aí. É difícil falar sobre esse processo sem soar ridículo.

Falar de exercício físico é um pouco ridículo, mas não me diga que você não faz nada senão serei obrigada a revelar sua idade e o estado de seu torso, que aparece no filme sem nada por cima.
Realmente não tem charme, mas faço muita ginástica. Consigo disfarçar a finalidade direcionando para o personagem quando estou trabalhando. Então, conforme o papel, decido como vai ser o físico e me preparo como se fosse uma missão ou o texto que tenho que decorar. Aí, eu me exercito todos os dias, antes de começar a filmar. Acordo às 4h para treinar até às 5h e conseguir chegar no set às 6h.

Credo, ginástica às 4h? Daquele tipo com aparelho?
É, daquele tipo. Minha mulher [a cineasta Rebecca Miller, entrevistada por esta coluna na edição de novembro de Serafina] vive tentando me convencer a fazer ioga porque meu corpo é todo duro, nada flexível. Sonho com um papel que requeira uma barriga de cerveja e barba grisalha, mas ainda não apareceu.

Nicole Kidman disse que, durante os ensaios, via que você estava com o figurino do Guido em um canto assistindo às atrizes fazendo aulas de dança.
Eu estava fazendo o meu trabalho, nada demais. Ia interpretar um diretor, e um diretor tem que assistir aos ensaios. Mas não era uma má maneira de começar o dia...

[A cantora] Fergie disse que recebia bilhetinhos escritos por você assinados "Guido" em um papel de carta.
Eu sou um grande escritor de bilhetes (risos). Escrevi um para a Judi Dench prometendo que dessa vez não ia fugir e deixá-la na mão, mas essa é uma outra história.

Conheço essa história. É a da produção de "Hamlet" no National Theatre de Londres, com você no papel principal e ela como a Rainha Gertrude. Você a abandonou e nunca mais fez teatro na vida, não é?
É, mais ou menos isso. Foi um certo escândalo na época. Mas ela me perdoou.

Fugiu de "Hamlet" para fazer um musical em Hollywood?
Muitos, muitos anos depois. A fuga de "Hamlet" foi no começo dos anos 1990. E não foi exatamente uma fuga, abandonei o espetáculo porque estava esgotado. E deve ter sido quase previsível, considerando o modo como eu vinha agindo e reclamando da vida nas semanas anteriores. Mas isso está no passado. O musical é o presente. Recebi o convite pouco depois de completar 50 anos. Acho que qualquer pessoa que trabalha com a criatividade começa a questionar, conforme vai ficando mais velha, se ainda tem alguma coisa a oferecer.

Chegou a ver o musical na Broadway, em 1982?
Não sou fã de musicais, não acho graça nessa história de as pessoas começarem a cantar no meio de um diálogo. Gosto dos primeiros trabalhos de Fred Astaire, mas passei muitos anos sem ver nenhum, até que "Moulin Rouge" estreou e adorei, achei uma loucura. É uma surpresa até para mim me ver em um musical a essa altura da vida. E não só por ter que cantar, são os ensaios que eu não tolero.

Guardou alguma peça do figurino desse filme, algum terno, alguma gravata fininha?
Talvez. E talvez não seja do meu figurino...

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