São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2009

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CAPA

Malu mader

por Ana Ribeiro

Cansada de ser apenas a bela da novela, a atriz vira a casaca e se lança como diretora de cinema

Aos 42 anos, um pouco fora de forma (perdeu suas calças jeans), Malu Mader está entusiasmada com uma nova fase em sua vida. Cansou de se ver e de ser vista como Malu-novela, não quer mais dar de cara todo dia com suas famosas sobrancelhas na televisão e acha que seu lugar principal no mundo artístico, daqui para frente, há de ser mais atrás das câmeras do que na frente delas. "Com que disposição eu vou enfrentar essa nova fase? Falando de cinema 24 horas por dia"...

Não deve ser problema. Malu é verborrágica. Num passeio pelos arredores de onde mora, em Ipanema, no Rio, passando pelo almoço que reuniu a família Mader em peso na despedida da sua sobrinha, Érika -que partia naquela noite para Nova York- e, depois, no café da Livraria da Travessa, completamos esta conversa com Serafina. Ela não regulou assunto nenhum, reagiu com naturalidade e sem afetação a qualquer pergunta. Jamais recorre a respostas ensaiadas, frases feitas ou "convenientes" e, em certos momentos, parece até informal demais. "Fazer novela é foda, cara! Você não tem tempo para mais nada."

A espontaneidade e o bom humor só mudaram um pouco quando seguimos para a sessão de fotos e o fotógrafo, Vicente de Mello, tentou dirigi-la para uma pose que previa um olhar fatal. Ela reagiu, citando a neomusa de Woody Allen: "Eu não sou a Scarlett Johansson! Não sou maneca e nem dessas atrizes que adoram fotografar. Tenho o rosto um, o rosto dois e o rosto três, e termina aí o meu repertório".

Qualquer um dos três rostos que Malu se disponha a exibir para a câmera terminam por revelar a expressão de uma bela atriz. Ela é que, agora, está em outra. "Neste momento, estou muito menos orgulhosa de meu rosto e de meus atributos físicos do que de minha história, de minha família, de meu modo de ver o mundo."

Cuida ainda menos do que antes de sua aparência -"Queria encontrar uma dermatologista mágica, que não me mandasse passar nenhum creme"-, aderiu ao visual vestidinho solto e sai à rua sem nenhuma preparação. "Às vezes, andando por aí, imagino a decepção: 'Então a Malu Mader é isso?'"

O ASSALTO E THIAGO

Sua estreia na direção aconteceu ano passado, com "Essa História Dava um Filme - Procurando Apartamento", curtíssima metragem (quatro minutos) produzido para o canal Multishow. O ator Thiago Lacerda havia lhe contado uma passagem real de sua vida, quando foi visitar um apartamento à venda no momento em que o prédio estava sendo assaltado. Não só foi feito refém como teve de aguentar a ironia do ladrão: "Olha quem eu trouxe para vocês!".

O próprio Thiago estrelou o filminho, que acabou sendo bem recebido. Agora, Malu chega aos cinemas com "Contratempo", seu primeiro longa-metragem, um documentário de 91 minutos dirigido em parceria com Mini Kerti, sócia da produtora Conspiração Filmes. É o registro de um grupo de garotos de comunidades carentes cariocas que tiveram a vida influenciada pela música ao fazer parte do projeto Villa-Lobinhos. "Quando o documentário estava para ser lançado no festival do Rio, fiquei preocupada de falarem que era mais um filme de favela, que eu tinha pegado carona nessa onda. Depois pensei: quer saber? Isso surgiu em mim de forma tão genuína, foi tão verdadeiro o meu envolvimento, que se eu estava ali é porque aquilo tinha nascido do meu amor pelos meninos, pelo projeto, pelo cinema."

O próximo passo é um longa de ficção, uma história que vem acompanhando Malu Mader há mais de dez anos. "Fico extremamente feliz de me lançar como diretora nesse momento do cinema nacional. A gente ganhou muito em qualidade, variedade, e é ótimo ver o cinema se comunicando com o grande público, com filmes que atingem milhões de espectadores e fazem o cinema brasileiro voltar a existir como indústria."

MIRA EM FERNANDA

Num momento de transição em sua vida, Malu tem algumas certezas e muita expectativa. Sabe que ainda pode fazer papel de mocinha, mas tem consciência de que isso passa -o que não a incomoda. Um dos aspectos de que mais gosta na profissão de atriz é a longevidade da carreira. Ela se vê como Fernanda Montenegro, atuando aos 80 anos, mas considera que a própria experiência profissional lhe despertou a verve de diretora. "Quando me encantei pelo teatro, aos 15 anos, quis fazer parte daquilo e pensei: 'Vou ser atriz!' Era o caminho mais óbvio, e o único que eu, ignorante total da vida e das artes, conhecia para entrar naquele mundo. Talvez se tivesse nascido na casa da Fernandinha [Torres] e crescido dentro de um ambiente artístico, vendo as pessoas ensaiando em casa, eu soubesse desde o início que há outros caminhos: diretora, roteirista"...

Malu nasceu na mesma Ipanema onde vive até hoje, a terceira filha de um oficial militar (morto há 13 anos) e de uma dona-de-casa, Ângela, 77, que, ao ficar viúva, mudou-se para o mesmo prédio de Malu, em um acordo que agrada às duas partes. "Quando preciso que ela fique com os meninos [João, 13, e Antônio, 11], é bem mais fácil. E, ao mesmo tempo, ela está apoiada também."

Andando comigo pelo bairro onde sua presença, de tão corriqueira, quase não chama a atenção, mostra o prédio no qual nasceu, na mesma rua do apartamento para onde se mudou quando foi morar sozinha, aos 19 anos, e o outro, duas ruas adiante, em que vive desde que se casou com o músico Tony Belloto, 48, guitarrista dos Titãs. Juntos há 20 anos, eles nunca oficializaram a relação na igreja, no papel ou mesmo com uma festa. "Há muitas mulheres à minha volta, mãe, irmã, cinco sobrinhas, mas em casa somos só eu e a Tânia, que trabalha comigo desde que eu saí da casa da minha mãe. Tenho um lado bem masculino, gosto do trato com homens. Nunca desejei ter uma menina. Meu jeito de ser é sem nhenhenhém. Talvez me descobrisse cheia de feminilidade e delicadezas se tivesse uma filha, mas tenho a impressão de que sou meio rude no trato para uma menina."

MORTALIDADE

Como nasceu numa casa de gente mais velha -com a irmã, Patrícia, a diferença é de 11 anos e o irmão, Luis Felipe, nasceu 13 anos antes da caçula-, Malu sempre foi tratada como adulta, e repete esse padrão com os filhos. "Falo com eles de igual para igual." Seu casamento, ela considera "bastante comunzinho". "Sem querer criticar quem se casa na igreja e promete na frente de todos que vai ser fiel até a morte, mas nosso casamento é feito no dia-a-dia, de prazeres cotidianos. Nosso êxtase familiar é ver os meninos dizerem coisas engraçadas", conta. "Eu e Tony começamos sem a idealização de eu dar a ele o primeiro filho, já que a Nina, minha enteada, era nascida. Então, já começou com uma criança que não era minha, tendo de lidar com uma ex-mulher e essas coisas todas que não são muito românticas. Além disso, com um cara que tem uma vida na estrada, você não desenvolve posses e não pode ficar com ciuminho. Tem de abstrair e saber que o cara é livre".

Outra face da vida real que bateu cedo na porta do casal foram alguns problemas sérios de saúde que Malu enfrentou. Aos 25 anos, descobriu um tumor no fígado e viajou para Nova York para retirá-lo numa cirurgia delicada. Aos 32, para se tratar de uma endometriose, mais uma vez viajou -dessa vez para Atlanta- para outra cirurgia. Aos 38, depois de sofrer uma convulsão, surgiu outro tumor, esse na cabeça, e fez a terceira operação. "O hospital te confronta muito com a degradação física, você tem de encarar algumas questões antes do tempo. Já me senti muito velhinha aos 25, fui hospitalizada e saí com uma puta cicatriz. Depois você se recupera e se sente de novo um broto. Mas é um tranco, você precisa ter força." Em 2005, a atriz surpreendeu o país quando o cisto benigno no cérebro a fez baixar subitamente no hospital. "A última cirurgia, na cabeça, mexeu comigo. A recuperação física foi simples, mas fiquei emocionalmente abalada. O filme foi muito terapêutico e agora, ao lançá-lo, sinto-me totalmente recuperada."

PRÓXIMOS CAPÍTULOS

Maria de Lourdes completou 25 anos de Rede Globo no ano passado. Seu contrato está em vigor (ela acha, na sua eterna confusão com datas) até o ano que vem. Paradoxo: a atriz que hoje tem de ser "convencida" a fazer novela (um dos incentivos está em contrato; quando não está fazendo novela, seu salário diminui) foi uma criança muito noveleira. "Eu era temporã, meus irmãos já tinham vida social e eu ficava muito só em casa. Via novela, série, minissérie, seriado, filme clássico, o que pintasse na minha frente eu traçava." Malu conta que, quando entrou na Globo, aos 17, era um prazer constante ficar cruzando com artistas de quem ela gostava desde criança. "Tony Ramos e Glória Pires eram deuses para mim, e Francisco Cuoco era o favorito, amei muito seus personagens: Carlão, Herculano Quintanilha, Cristiano Vilhena. Depois fiz novelas com ele, primeiro foi meu pai ['Eu Prometo', 1983] e depois meu pai e namorado, porque ele era gêmeo ['O Outro', 1987]."

Malu já fez 11 novelas. Seu personagem favorito é Lurdinha, da minissérie "Anos Dourados". "Foi daquelas coisas em que as pessoas certas estão no lugar certo. Rola um encontro do ator com o personagem e eu penso até hoje, quando revejo cenas, que eu estava pronta para aquele papel. Não tinha técnica nenhuma e nem consciência, mas não mudaria nada." Por conta de sua dificuldade com datas, seus personagens vão norteando suas lembranças. "Se isso aconteceu na época de 'Corpo a Corpo', então foi em 1984", exemplifica.

Os planos para este 2009 são buscar disciplina para escrever o roteiro do longa de ficção, seu projeto original de cinema. Concentrada como está, acredita que agora vai. Ela se impõe o projeto como um desafio. "Quero me sentir de novo como se estivesse, aos 15 anos, entrando no curso de teatro no Tablado. Partir para essa guerra como se estivesse começando."


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