São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NO RIO

Cidade do samba e do sonho

por Heloisa Seixas

Visita aos barracões é uma novidade para cariocas e turistas


Acompanho os desfiles das escolas de samba do Rio desde que era criança, nos anos 1960, mas sempre tive dificuldade de torcer por uma delas. Se alguém me perguntava qual era minha escola do coração, em vez de responder por exemplo "sou Portela" ou "sou Mangueira", eu costumava brincar dizendo: "Eu sou o samba". Isso, porque meu deslumbramento com nossa ópera popular era tal que me impedia de fazer uma escolha. Quando uma determinada escola entrava na avenida, se estivesse linda e empolgante, eu torcia por ela, não importava qual fosse.

Foi assim até 1982. Naquele Carnaval, eu assistia ao desfile numa manhã de sol (naquela época, os desfiles entravam pela manhã), tentando me equilibrar em uma torre de som, quando surgiu na avenida a Império Serrano, com seu enredo de nome estranho, "Bum-bum-paticumbum-prugurundum". À medida que a escola veio descendo, comecei a notar algo diferente, em mim e em todo o ambiente à minha volta.

De repente, um pavio de emoção parecia ter sido aceso e percorria a avenida, inflamava as veias, arrepiava a pele, fazia brotar lágrimas dos olhos. Senti vontade de chorar. Olhei em torno e vi que muita gente chorava -chorava, ria, cantava e se sacudia ao mesmo tempo. Soube, naquele exato instante, que estava assistindo a um desfile histórico. E soube também que, daquele dia em diante, tinha uma escola de coração.

Por tudo isso, foi com emoção que fui outro dia visitar o barracão do Império na Cidade do Samba. Apenas as escolas do Grupo Especial têm direito a usar o espaço e foi graças ao campeonato do ano passado, com o enredo em homenagem a Carmen Miranda, que o Império pôde ir para lá.


BARRACÃO DE LUXO

A visita à Cidade do Samba, em si, já é uma grande novidade. Inaugurado no final de 2005, na zona portuária da Gamboa, o lugar é um luxo. São quase 100 mil metros quadrados divididos em galpões, um para cada escola, onde vão ganhando forma as gigantescas alegorias que irão desfilar -e que podem ser apreciadas por todos os visitantes. Os barracões (que continuam sendo chamados assim, um resquício dos velhos tempos) têm pé-direito de 12 metros de altura, com trilhos no teto e gruas para erguer as peças mais pesadas, salas de reunião com ar-condicionado, lanchonete, ateliê de esculturas e também de confecção de fantasias, onde são feitas as roupas das alas da comunidade, como a das baianas ou a bateria.

No barracão do Império, caminhei entre tubarões de papel pardo, moreias de isopor, espumas marinhas feitas com fundo de garrafas PET, sempre com a sensação de estar desvendando sonhos, virando fantasias do lado avesso, como se fosse uma criança espiando o interior de um brinquedo. Nas conversas, percebi o amor e a dedicação das pessoas, que são comoventes. E notei como tudo parece funcionar bem, como se vivêssemos num país organizado e perfeito.

Foi a minha primeira visita à Cidade do Samba e não conheço muita gente que tenha ido lá. Embora o espaço tenha shows de samba uma vez por semana (nas noites de quinta, com lugar para 1.200 pessoas) e seja aberto ao público para visitação de terça a sábado o dia inteiro, ainda não é um programa conhecido. É uma pena. Porque todos -e principalmente os cariocas- deveriam conhecer essa, com o perdão do clichê, fábrica de sonhos.


Texto Anterior: TERETETÉ: Anedotas do showbiz americano , por Teté ribeiro, de Washington
Próximo Texto: B&E: Barbaridades & Extravagâncias, por BARBARA GANCIA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.