São Paulo, domingo, 25 de julho de 2010

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FINO

Beleza Roubada

por POR SÉRGIO ROVERI

Galã de novela desde a adolescência, Cauã Reymond BRINCOU DE ficar feio para mostrar QUE ser bonito não é SEU PAPEL PRINCIPAL

Existe uma mulher que dispensa Cauã Reymond sem rodeios. Há quatro meses, ele vai atrás dela, no bairro do Leblon, no Rio, ao menos uma vez por semana. Quase num sussurro, dependendo da gravidade da ocasião, ele revela alguns dos seus segredos mais indevassáveis. Tudo em vão. Depois de 15 ou 20 minutos, ela se levanta, diz que o tempo dele acabou, cobra pela consulta em dinheiro e encerra a sessão. Desde que conheceu essa psicanalista lacaniana, Cauã Reymond descobriu a angústia.
Filho de um terapeuta reichiano (que segue a linha psicanalítica do austríaco Wilhelm Reich, 1897-1957) e de uma astróloga que não exerce mais a profissão, o ator global, revelado em 2002 no seriado "Malhação", foi apresentado ao divã aos 14 anos. Como acaba de completar 30, é justo dizer que passou mais da metade da vida tentando acomodar Freud entre a prancha de surfe, o tatame do jiu-jítsu e as câmeras. "Mas eu nunca fui tão desafiado como agora", diz Cauã, com uma persistente dor de garganta suavizada por spray de própolis em uma tarde que deveria ser de inverno, não fossem os termômetros no centro do Rio baterem nos 30 graus. "Eu costumava recorrer à psicanálise em busca de alívio imediato, como se fosse fast food. Agora quero quebrar meus vícios de paciente. Eu buscava alguém que me desestruturasse, que rompesse o meu discurso mais babaca." Quem vê Cauã saindo cambaleante das sessões garante que ele encontrou.
Em um quadro típico de subconsciente metalinguístico, o ator anda sofrendo duplamente –por si próprio e por Danilo Gouveia, o ciclista junkie que interpreta na novela "Passione". Até onde se sabe, Danilo deve pedalar em velocidade crescente rumo ao inferno das drogas ilícitas. Para se habituar a esse universo, o ator, que afirma nunca ter se drogado e é nocauteado por apenas uma taça de vinho tinto, já andou circulando pela região da "cracolândia", em São Paulo, na companhia de um policial aposentado que ele próprio contratou. "À medida que os novos capítulos vão chegando, cresce o meu temor. Sei que não vai ser fácil conduzir Danilo por essa trilha." Autor de "Passione", o novelista Silvio de Abreu não guarda dúvidas sobre a capacidade do ator. "Cauã é um dos melhores atores de sua geração. Além de sua bela figura, é um profissional consciente, estudioso e preocupado com os aspectos mais sérios da profissão que escolheu", diz. "Poderia ser apenas mais uma cara bonita da televisão. Mas, felizmente, é inteligente e talentoso demais para isso."
O rosto anguloso de Cauã, maculado por pequenas cicatrizes herdadas nos dez anos de golpes do jiu-jítsu, vai continuar em evidência –e em tamanho ampliado–, mesmo após o fim de "Passione", previsto para janeiro de 2011. O ator está no elenco de quatro novos filmes que serão lançados nos próximos meses. O primeiro deve ser "Não se Pode Viver sem Amor", do diretor chileno radicado no Brasil Jorge Durán, em que Cauã divide os créditos com Ângelo Antonio e Simone Spoladore.
A lista de novos filmes prossegue com "Estamos Juntos", de Tony Ventura, no qual vive um DJ gay que se apaixona pelo namorado de uma amiga médica, interpretada por Leandra Leal. "Na época das filmagens, frequentei a noite gay de São Paulo, e isso derrubou alguns preconceitos que eu nem sabia que ainda tinha", diz. A terceira produção, "Reis e Ratos", de Mauro Lima, cujas filmagens terminaram há pouco mais de um mês, joga Cauã num Rio de Janeiro às portas da Revolução de 64. Embora indique o contrário, trata-se de uma comédia, em que o ator divide a tela com Rodrigo Santoro e Selton Mello. "Além de ser um garoto muito gente fina, Cauã é um ator em ascendência", afirma Selton Mello. "É um cara que sabe das suas limitações e trabalha sério para crescer a todo instante."
O último longa da safra, que também traz Rodrigo Santoro no elenco, é "Meu País", de André Ristum, drama sobre profundas crises familiares.

A UM GRAU DE MADONNA
Mesmo antes de se tornar ator, Cauã já havia se aproximado do cinema –pela entrada de serviço, é verdade. Durante o período em que morou em Nova York, entre 2001 e 2002, deu aulas de jiu-jítsu para o diretor inglês Guy Ritchie, ex-marido de Madonna. Ritchie, recorda Cauã, chegava à academia acompanhado de três assessores, que não tiravam os olhos de seus laptops, enquanto o chefe ralava o quimono no tatame. "Ele era um touro, um cara duro na queda, que não aceitava perder", relembra o ator.
Ao fim das aulas, Cauã voltava para um quartinho insalubre no bairro do Harlem, onde seu único pertence era um colchão inflável que murchava de duas a três vezes por noite. "O quarto pertencia a um estudante árabe, que me deixava morar de graça em troca de algumas aulas de jiu-jítsu. Quando ele se mudou para o Texas, depois do 11 de Setembro, eu não tive mais como me manter e voltei para o Brasil."
Cauã diz que foi com a novela "Belíssima", de 2005, em que vivia um garoto de programa amante da personagem de Vera Holtz, seduzido por Fernanda Montenegro no capítulo final, que ele passou a confiar no seu taco de ator. O público, segundo ele, só viria a compartilhar dessa confiança três anos mais tarde, na novela "A Favorita". E a classe artística, ela passou a confiar quando? "Acho que ainda não confia. Essa é a categoria mais difícil de ser conquistada, é uma batalha diária e eterna."
Mas ele compreende algumas rejeições pontuais. Sabe que seu prontuário registra passagens reincidentes pelas passarelas, uma prática que nem toda classe artística aceita como prova de bons antecedentes, e pelo mundo do jiu-jítsu, do qual a imensa maioria da humanidade, atores ou não, prefere manter distância, ainda que seja para preservar as cartilagens da orelha. "Cauã carrega esse estigma de ter vindo da moda e do esporte e de ter tido pouca experiência no teatro. Os mais preconceituosos –e felizmente esse não é o meu caso– preferem esperar para ver no que ele vai dar", diz a atriz Fernanda Montenegro. "É um rapaz inquieto e estudioso, que está se saindo muito bem diante de personagens difíceis e, o mais importante, já demonstra estar se preparando para conduzir sua carreira quando não for mais nem tão jovem nem tão bonito."
A beleza muitas vezes veio em seu socorro, mas nem sempre se mostrou de grande serventia. "A gente precisa ir um pouco além desse lugar para onde a beleza nos conduz", diz. "Ser galã é uma função dramatúrgica que você preenche dentro de um universo que querem que você preencha. É como um adesivo que colam nas suas costas e que você passa o resto da vida tentando tirar."

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