São Paulo, domingo, 25 de julho de 2010

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FINO

O quinto elemento

por Teté Ribeiro, Da Cidade do México

criador de "O Sexto Sentido" planeja uma mudança de 180 graus na carreira com "O Último Mestre do Ar", revela que "Corpo Fechado" seria uma trilogia e diz que quer ser a Coca-Cola de Hollywood

A poucos dias de completar 40 anos, em 6 de agosto, o americano de origem indiana M. Night Shyamalan está tranquilo, embora sua missão para os próximos dois meses não seja fácil. Ele precisa reconquistar o mundo ou, pelo menos, a percepção de que não perdeu sua magia. "Tenho olhado para a vida de maneira mais contemplativa ultimamente", disse o autor do filme/fenômeno "O Sexto Sentido" em entrevista exclusiva à Serafina na Cidade do México, onde estava para lançar seu novo longa-metragem, "O Último Mestre do Ar". "Era muito mais ansioso e ambicioso dez ou 20 anos atrás."
Ele prefere ser chamado de Night, um apelido de faculdade que adotou como nome artístico, já que a maioria de seus colegas na Universidade de Nova York não sabia pronunciar seu nome, Manoj Nelliyattu Shyamalan. Nascido na Índia, na cidade de Mahé, mudou-se na infância para a Filadélfia com os pais, ambos médicos, e é na cidade que mora com a mulher, a americana de origem indiana Bhavna Vasmani, e duas filhas. "A Filadélfia me inspira, nunca quis morar em outra cidade.", contou ele, que filma a maioria de suas histórias no Estado da Pensilvânia, onde fica a Filadélfia.
Ao vivo e em cores o cineasta é bem mais alto do que eu imaginava –arrisco 1,80 m. Tem corpo de jogador de basquete, esguio e alongado. E é bem bonitão. Mesmo com a produção algo Sidney Magal que escolheu para a entrevista, continua charmoso. Estava com o cabelo maiorzinho e bem cacheadão, de terno preto, camisa de seda cor de gelo com os dois primeiros botões abertos, uma corrente e quatro anéis de prata, três na mão esquerda e um na direita. No pescoço, usa também uma cordinha de couro com um baú de prata em cujo interior guarda uma oração em sânscrito que nunca leu. "Foi um presente do meu pai, para que eu esteja sempre protegido. Não tiro nem para dormir."
Night é muito apegado aos pais, mora perto deles e os visita com frequência. "Não segui a carreira que meus pais queriam, não virei médico, mas eles me perdoaram quando perceberam como eu era apaixonado por cinema, e hoje também são", contou.
Adaptado da série de animação "Avatar: O Último Mestre do Ar", exibida no canal Nickelodeon entre 2005 e 2008, o novo longa do diretor estreia no Brasil em 20 de agosto e foi planejado como uma trilogia, mas a segunda e a terceira partes só sairão do papel se a primeira for bem nas bilheterias. E bem em termos de grandes corporações, daquelas para as quais a moeda corrente é a "centena de milhão de dólares". Esse é o filme de maior orçamento dele até hoje, US$ 150 milhões de produção e US$ 130 milhões para o marketing. Estreou nos Estados Unidos no início de julho debaixo de um temporal de críticas negativas e, mesmo assim, já conquistou mais de US$ 135 milhões de bilheteria.

universo elementar
Na trama, que se passa em um planeta parecido com a Terra, muito no futuro ou muito no passado, há quatro reinos e, em cada um deles, é dominante água, terra, ar ou fogo. O Avatar, uma espécie de Jesus/Buda/Neo, de "Matrix", é o único com habilidade de dominar os quatro elementos, condição para manter a ordem desse universo. Ele está desaparecido quando o filme começa e ninguém sabe se voltará. Na sua ausência, o reino do fogo dominou o mundo e mantém os outros reinos na miséria.
Isso é contado em apenas um minuto de filme. A história tem vários personagens e é bem mais complicada. O cineasta teve de explicar e condensar tudo isso em 103 minutos. Nos desenhos, todos os detalhes foram apresentados ao público ao longo dos 20 episódios da primeira temporada, salpicados de humor e referências pop. "Quando percebi a encrenca, liguei para os criadores da série em pânico. Eles vieram me encontrar e destrinchamos a história, aí chegamos à conclusão do que não poderia ficar de fora", contou. "Tive de cortar as cenas mais engraçadas, não tinham a ver com o clima."
Se a Viacom, que é dona tanto da Paramount, estúdio do filme, quanto da Nickelodeon, dona do desenho, decidir não fazer as duas sequências, essa terá sido a segunda tentativa frustrada do cineasta de fazer uma trilogia. "Corpo Fechado" também foi concebido como uma série de três filmes. "Não aconteceu por motivos financeiros, não fez tanto dinheiro quanto o estúdio queria", revela o cineasta. "Depois me envolvi em outros projetos e não voltei mais àquele tema. Mas, pelo menos uma vez por ano, vem um estúdio sugerir que eu faça 'Corpo Fechado 2'. Uma hora sai."
"Corpo Fechado" foi feito um ano depois de M. Night ter sido revelado ao mundo, em 1999, como uma mistura de Spielberg com Hitchcock de 29 anos, com o enorme sucesso de "O Sexto Sentido", seu terceiro longa-metragem e primeiro a ser lançado em grande escala. "Foi ótimo ter feito sucesso logo, mas 'O Sexto Sentido' fez com que cada filme meu gerasse uma expectativa fora do comum", desabafou. Expectativa essa que respingou também na personalidade do diretor, que ajudou a criar mitos a seu respeito. Ele gosta de filmar perto de sua casa, sempre faz uma aparição ou um pequeno papel e tem alguns temas recorrentes. Há em suas histórias pelo menos uma criança, um casamento em crise, um acidente de carro e água. Ele prefere não explicar muito suas escolhas. "O interessante dessa profissão é abrir a possibilidade de as pessoas interpretarem as histórias", esquiva-se. 'Possibilidade' é uma das palavras preferidas do cineasta. "Acho que é um tema comum nos meus filmes, outras possibilidades". Sem revelar se acredita que fantasmas, aliens ou superpoderes existem na vida real, ele dá uma dica: "seria bem sem graça se a gente soubesse tudo, não? Sem graça e arrogante".

MERGULHOS RADICAIS
A presença constante da água tem explicação mais empírica. "Gosto de água, acho bonito, gosto do barulho, das várias formas. É um elemento cheio de mistérios e sempre interessante."
Lançado em 2006, "A Dama na Água", é considerado a grande catástrofe de sua carreira. Achincalhado pela crítica, foi sua menor bilheteria, US$ 73 milhões. Foi lançado depois de "A Vila", de 2004, que dividiu a crítica e o público, mas que vem sendo revisto pelo público mais jovem, que não o viu no cinema. "É o filme de que eu mais gosto entre os que fiz", diz o diretor. "Tenho orgulho de toda a minha obra. Alguns fizeram mais sucesso, mas todos geraram debate. E lucro." E vai além: "Na Espanha, 'A Dama na Água' é o preferido. Na Inglaterra, uma universidade dá um curso de cinema baseado em 'Fim dos Tempos' (de 2008). Eu sabia que poderia alienar parte do público com esses filmes, sei que sou dark, mas é meu estilo e adoro correr riscos."
Um dos que correu em "Mestre do Ar" foi filmar em 2D e depois transformar em 3D, digitalmente, na edição. "Eu odiava 3D, achava que não era para mim", disse. "Gosto de imaginar que meus filmes são feitos para o público pensar, e 3D é feito para dar tudo de graça, para o espectador ver como vê TV, passivamente", completa. Dois editores que trabalham com ele o convenceram. Fizeram vários testes, mas ele vetou todos porque não queria perder os detalhes do segundo plano. "Finalmente chegaram a essa solução, que eu achei linda. O 3D deu um textura muito interessante", afirma.
Na exibição de que participei, no México, as legendas em espanhol, colocadas depois, realmente parecem flutuar na tela.
Shyamalan conclui a conversa dizendo que prefere se sair bem no teste do supermercado em vez do teste do consumidor. "Adoraria vencer os dois, mas, se tiver de escolher, prefiro vencer o último." E explica: a partir dos anos 1970, a Pepsi, que queria o lugar da Coca-Cola, montava barracas de rua com latas dos refrigerantes com os rótulos cobertos e pedia que os passantes experimentassem e escolhessem um. A Pepsi sempre se saía melhor. "Tem mais açúcar", diz ele, "é claro que todo o mundo prefere a Pepsi no primeiro gole." Mas o teste do supermercado é o mais importante, acredita, é a hora de escolher qual dos dois levar para casa para beber com a família, e nesse a Coca-cola sempre se deu melhor. E o plano do diretor é este: ser a Coca-Cola de Hollywood.


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