São Paulo, domingo, 25 de outubro de 2009

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PESSOA FÍSICA

Fábio Bibancos lança documentário e apela: "adote um sorriso!"

por ANA RIBEIRO

NA CONTRAMÃO

O dentista fábio bibancos lança o documentário "Boca a Boca" para hastear mais longe sua bandeira por um país sem banguelas

Elizeu Souza Marinho, 16, morador da favela de Paraisópolis, em São Paulo, só fala olhando para baixo. Perdeu todos os dentes da frente, e mal se ouvia a sua voz. "Não me lembro do som do meu riso", diz. O maior sonho de John Lennon Marques Machado, 17, de Itapetininga (a 170 km da capital), é ter um sorriso alinhado e sentir prazer ao se olhar no espelho. Maria Rita da Conceição, 13, levou um tombo brincando em sua cidade, Santo André, no ABC paulista, e perdeu um dente da frente. Desde então, evita até mesmo a roda de amigas.

Esses são alguns dos momentos do filme "Boca a Boca", que o dentista Fábio Bibancos lança no Brasil e na América Latina amanhã, 26 de outubro. Ele sabe que um "documentário de dentista" não é lá algo muito atrativo, mas, nesse caso, há dois fatores que podem turbiná-lo: primeiro, doutor Bibancos é o dentista das celebridades –sua freguesia estrelada inclui o comediante Marcelo Médici, a atriz Adriana Esteves e as cantoras Ana Carolina e Zélia Duncan, além de todos os bonitões da página ao lado. Segundo, porque ele já vem no embalo dos 6.000 dentistas que fazem parte da ONG Turma do Bem, fundada por ele em 2002, com o objetivo –além de cobrar o governo pelo descaso nessa área– de fazer com que cada dentista no Brasil "adote" em seu consultório pelo menos uma criança sem condições de pagar. "Isso teria um grande efeito multiplicador e acabaria sendo um sinal de que a ideia de as crianças brasileiras sorrindo bonito –todas elas, e não só as ricas– não é o sonho de um idealista."
brasil desdentado

Foi com base nessa "adoção" que o sorriso de Elizeu, John Lennon e Maria Rita foi recuperado, e o mesmo aconteceu com outras 12 mil crianças brasileiras. Mas ainda tem muita gente na mesma tristeza que eles passaram. Até o ator global Rodrigo Lombardi se lembra sem saudade da vida antes de Bibancos. "Meus dentes pareciam cacos de vidro pregados no muro", diz.
Simpático, Fábio Bibancos tem aquela conversa fácil de quem sabe o que diz –e defende uma ideia com paixão. Porém, ao relatar o retrato tenebroso da situação dentária do Brasil, de repente vira fera: "Com 25 milhões de desdentados e nenhum plano sério do governo para cuidar das crianças, o Brasil, do ponto de vista dentário, é uma vergonha internacional. Por que as clínicas odontológicas e os consultórios não têm uma porcentagem obrigatória de atendimento pelo SUS, como têm os hospitais?"

As primeiras noções de responsabilidade social foram passadas a esse paulistano de 46 anos no ensino médio, na escola jesuíta São Francisco Xavier, no bairro do Ipiranga, em São Paulo. Os frades promoviam visitas à favela vizinha, de Heliópolis, para que os garotos vissem também a realidade de um mundo que não era o deles.
Em 1995, já formado, criou o projeto Adotei um Sorriso, para atender crianças da Fundação Abrinq, de onde saiu para embarcar na sua atual Turma do Bem.
Diz que só dá conta de seu consultório (muito procurado) e da ONG porque os dois funcionam ao lado de sua casa, na Vila Mariana. É nesse trânsito para lá e para cá que Fábio passa os seus dias –que começam invariavelmente com uma corrida no parque Ibirapuera. "Corro de 6 a 18 quilômetros por dia", diz ele, um fumante inveterado. "Nunca consegui parar. Já fiz de tudo, mas é colocar o nariz para fora clínica que acendo um cigarro." Casado com a também dentista Miriam, 44, é pai de Bernardo, 12, que nunca teve uma cárie. "Coitado, ele não tem trégua. Eu e a mãe pegamos no pé no quesito escovação. Cada vez que ele sorri, os dois olham."

PRÊMIO E PORRADA
Por sua multiatividade, Bibancos recebeu, em 2006, o Prêmio Empreendedor Social, parceria da Folha com a Fundação Schwab, da Suíça. Mas nem toda notícia envolvendo seu nome foi sempre positiva. Em julho de 2008, num sábado de manhã, Fábio teve de atravessar a rua de sua casa correndo, depois que a porta de vidro de seu consultório foi estourada pela Polícia Federal. Alegando que ali funcionava o escritório de um poderoso doleiro da cidade, os policiais reviraram tudo e levaram todos os computadores. "Eu falava: olha para mim, eu sou dentista, este é o meu consultório!" Apesar das evidências, nada os convencia. Fábio diz ter sido tratado com truculência e que chegou a levar socos e pontapés. Foi direto para o exame de corpo de delito. "Apesar de pesar 63 quilos, reagi. Por que tinha de passar por aquilo?"

O susto não abalou suas convicções. Fábio fica entristecido quando lembra que o brasileiro, abnegado, acostumou-se com a ideia de que ir ao dentista é um privilégio de quem tem dinheiro. "O povo não vê como direito seu ter um bom dentista público e se conformou com essa situação. É preciso lutar contra isso."
Do outro lado da história, o dentista convive com o glamour de algumas das maiores estrelas do Brasil. "Eles são esclarecidos e sensíveis. Não chegam aqui querendo exagerar nos cuidados. Não atendo perua." Nenhuma? "Às vezes, aparece uma maluca naquela busca desenfreada pela beleza. Elas aumentam a boca e então querem aumentar os dentes. Minha responsabilidade é dizer não."

Atrás de um sorriso rejuvenescido, muitas trazem fotos e querem que seus dentes se aproximem em brancura. "Posso deixar cada dente com a melhor cor que ele já teve, mas cada branco tem o seu mínimo. Não dá para ter o dente da cor da geladeira."

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