São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2011

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IN LOCO

Cheia de histórias

por ARTUR VOLTOLINI

Serafina entra na casa de Lily e Roberto Marinho, ciceroneada pelo mordomo Edgard Peixoto, que continua a postos

Cosme Velho é um tradicional bairro carioca localizado no pé do Corcovado. Nele viveram Manuel Bandeira e Machado de Assis. E é nesse bairro que está a casa que pertenceu a Roberto Marinho. Ao entrar na propriedade de aproximadamente 1.400 m2, surge um grande sobrado rosa escuro. O imóvel foi avaliado informalmente por corretores em aproximadamente R$ 10 milhões.
Quem recebe Serafina, de paletó e luvas brancas, é o mordomo Edgard Peixoto, empregado da família há 22 anos. Na ampla sala de visitas há uma tela de Chagall, sem título, de 1972, pendurada na parede à direita e, à esquerda, as cores vivas do quadro "O Touro" de Tarsila do Amaral, 1925. Por toda a área social, entre as diversas obras de arte, se destaca uma impressionante coleção de Portinaris e Di Cavalcantis. Um piano Steinway & Sons aparece abaixo de um grande retrato de Roberto Marinho.
Sobre o piano, dezenas de fotografias de personalidades ilustres que frequentaram a casa. A Rainha Silvia da Suécia e o príncipe Joachim da Dinamarca dividem o espaço com alguns integrantes da "corte" carioca e com ex-presidentes do Brasil: José Sarney, num retrato já embotado, exibe sua faixa presidencial. Figueiredo, em seu uniforme militar. Fernando Henrique Cardoso aparece muito à vontade numa fotografia tirada no quintal da mansão, vestindo calças cáqui e camisa azul.

Santiago
Edgard Peixoto nasceu em 1958, na pequena cidade cearense de Santana do Acaraú. Trabalhou com o pai na lida do gado até os 24 anos, quando decidiu ir para o Rio de Janeiro. Cursou apenas o primeiro grau, "meio arrastado", como diz. Após um curso de formação de garçons, em 1985, foi contratado por Roberto Marinho. João Moreira Salles, em seu documentário "Santiago", fez um retrato do mordomo de sua família, e uma autocrítica sobre as relações de poder. A convite da Serafina, Edgard assistiu ao filme. Assim como Santiago, Edgard nutriu uma dedicação incondicional a seus patrões. Edgard notou porém que Santiago representa uma outra espécie de mordomo, mais culto e sofisticado, e afirma: "Ele devia trabalhar muito menos do que eu, para ter tempo de escrever aquelas 30 mil páginas".

União madura
Em 1989, aos 75 anos, Roberto Marinho decidiu se separar de sua segunda mulher, Ruth, para casar com Lily Monique de Carvalho, então com seus 68 anos. O processo não foi fácil: um amigo da família, contou à Serafina que Ruth não aceitou a separação e não queria sair da casa. Marinho chegou a pedir que esvaziassem a piscina, para impedir as reuniões a seu redor que Ruth promovia com suas amigas.
Edgard diz que Lily e Roberto "se gostavam muito e, apesar da idade, brincavam como crianças quando estavam no quarto". Depois da morte de Roberto, em 2003, a rotina da casa mudou bastante. Dos 28 funcionários -cozinheiro, copeiros, seguranças, motoristas, arrumadeiras, jardineiros, mordomo e até veterinário de flamingos-, sobraram apenas 12.
Foi com o falecimento de Lily, em janeiro deste ano, que o vazio tomou conta da casa. Assim que Edgard voltou do enterro de Lily, percorreu os cômodos e libertou um gatinho que ela criava havia 13 anos em um banheiro. De lá ele não podia sair. O encarceramento se deu por conta da insistência do bichinho em urinar nos chinelos da dona. Edgard abriu a porta e soltou-o. O gato logo sumiu de sua vista. Reapareceu depois na casa do jardineiro, que adotou como novo lar.
Os funcionários continuam lá, uniformizados, "prontos para a batalha", como diz Edgard. A sala não é mais florida como antes. Lily leiloou muitas das obras de arte de sua coleção particular para garantir o futuro de seu filho adotivo, que necessita de cuidados especiais.
A laboriosa manutenção da casa continua. Pessoas próximas à família nutrem a esperança de que ela vire um instituto ou museu, mas seu destino depende da vontade dos três filhos de Roberto Marinho.


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