São Paulo, domingo, 27 de abril de 2008

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Capa - Letícia Birkheuer

Mulher de 30

A atriz e modelo Letícia Birkheuer critica a mídia de celebridades e conta por que cancelou o seu casamento um mês antes de subir ao altar: "Não pretendo me casar nunca mais"

por Alcino Leite Neto
fotos Klaus Mitteldorf

Os olhos de Letícia Birkheuer deveriam ser incluídos entre as sete maravilhas do Brasil. Quando ela surge na sala do apartamento, vestida com legging e blusa pretas, quando aponta na sua direção aqueles olhos verdes flamejantes, é como se eles emitissem dois raios superpoderosos e arremessassem você para um planeta maravilhoso nos confins do Universo.

"Vamos conversar na varanda?", ela convida, e de repente você está de volta à Terra, diante de uma das paisagens mais lindas do Rio de Janeiro: a lagoa Rodrigo de Freitas. Mas que paisagem que nada! Você não quer saber de paisagens, deseja é ser atingido outra vez, muitas vezes, pela força alucinógena dos olhos de Letícia Birkheuer.

"Mas esses olhos serão reais?", você se pergunta, e segue duvidando, até que, sem avisar, eles se enchem de lágrimas.

"Um dia, a vida diz: 'Calma, pára um pouco e pensa'. O que existe é o destino e a vontade de Deus", diz Letícia. Não há por que duvidar de cada palavra, quando ela nos fala assim, com seus sublimes olhos úmidos.

Na última sexta-feira, dia 25, Letícia completou 30 anos. Ela havia preparado um happy end para a sua juventude. Um dia depois do aniversário, iria se casar com o homem que amava, numa igreja tradicional do Rio de Janeiro, diante de 800 convidados, trajando um vestido desenhado pela famosa estilista americana Vera Wang.

Há poucas semanas, porém, o destino se meteu no script de Letícia, e o happy end foi se transformando em drama: ela sofreu um aborto involuntário aos três meses de sua primeira gravidez e perdeu Maria Helena. "Eu queria muito essa menina. Foi um baque, tanto físico quanto psicológico", conta.

Letícia foi hospitalizada, entrou em depressão e cancelou o casamento com o empresário Alexandre Birman, 31, um dos herdeiros da Arezzo. O vestido nunca desembarcou no Brasil. Permanece no apartamento da atriz em Nova York.

O ex-noivo tentou reatar, ligou, mandou recados e chegou a lhe enviar, exagerado, uma caminhonete de flores, que foram parar um pouco no seu apartamento, outro tanto na casa da irmã. Mas de nada valeu. "Sempre fui muito romântica. Sempre sonhei em me casar na igreja. De repente, todo o sonho desmoronou na minha cabeça. Fiquei com ojeriza de casamento. Não pretendo me casar nunca mais", desabafa a atriz.

Você quer saber o que aconteceu para ela tomar decisão tão drástica? "Começamos a nos desentender por vários motivos, a brigar muito. A um mês do casamento, não dá para começar a brigar com a pessoa com quem se planejou viver a vida inteira. Tivemos uma relação muito intensa, que acabou com a mesma intensidade", resume.

Vida, a novela

Depois da crise, Letícia não teve mais sossego. As revistas a perseguem, os paparazzi não desgrudam de seus passos, eu bati à sua porta. O casamento seria um dos espetáculos do ano para a mídia de celebridades, mas a ruptura é ainda melhor: é uma telenovela feita com o próprio material da realidade, a história da noiva linda e do noivo milionário que cancelam o casamento às vésperas de subirem ao altar.

"é insuportável. Eles me perseguem e me fotografam em todo canto, invadem a minha intimidade. A balbúrdia que fizeram com o meu casamento acabou piorando ainda mais as coisas. Publicaram comentários desnecessários e que até agora eu não sei se são falsos ou verdadeiros", diz.

No país da telenovela, são imensas as chances de o falso se misturar com o verdadeiro, de o imaginário se imiscuir na realidade. Letícia faz um diagnóstico. Para ela, o Brasil imergiu de vez na "indústria da celebridade", que "transforma a vida alheia em diversão". "Você perde totalmente a naturalidade, a espontaneidade. Não suporto essa representação da vida real", reflete.

Quando começou sua carreira de atriz, ela até gostava da confusão que as pessoas faziam entre a atriz e a personagem que interpretava na novela "Belíssima" -uma garota perversa que queria roubar o namorado da mãe. "Cheguei a levar tapa num hotel e, no Carnaval, gritaram para mim: 'érica, sua vagabunda', referindo-se ao meu personagem", conta. "Eu dizia: isso deve ser bom, porque é sinal de que meu papel colou."

A personagem em "Belíssima" foi o primeiro trabalho na TV Globo, com a qual tem um contrato que dura até o ano que vem. Até ser convidada para a novela, nunca pensara em ser atriz, principalmente porque estava no auge da carreira de modelo, estrelando uma campanha para Giorgio Armani.

"Hesitei muito, inclusive porque não compensava financeiramente, comparado ao que eu ganhava como modelo. Mas estava cansada de viajar e de pular de hotel em hotel. A idéia de poder estar todos os dias no meu apartamento e dormir todas as noites na minha cama me levou a aceitar a proposta", diz.

Hoje, está entusiasmada com a vida de atriz. "Para começar, as atrizes aguardam sentadas, têm horário para comer e para terminar o trabalho. As modelos têm que esperar sempre em pé, passam noites sem dormir e dias inteiros quase sem comer. Aliás, o pessoal da moda prefere que elas não comam nunca."

Com 1,81 m, já chegou a pesar 50 kg para cumprir os padrões da moda -atualmente pesa 58 kg. "Eu era anoréxica." Um dia, apertaram tanto a sua roupa, um vestido de John Galliano, que ela desmaiou antes de entrar na passarela. "As pessoas não imaginam como é dura a vida de modelo. Ninguém se preocupa se você está bem."

De 1999 a 2003, comeu o pão que o diabo amassou no Brasil e em Nova York, procurando emprego. Chegava para o "casting" dos desfiles e era sumariamente descartada. "No Brasil, diziam que eu só servia para comercial de geladeira e cerveja. No exterior, me achavam convencional."

Bastou cortar os cabelos louros, pintá-los de preto, picotar tudo e criar uma imagem descolada e underground para começar a chamar a atenção dos estilistas. Valentino foi o primeiro, mas depois vieram Kenzo, Dior, Armani... Ficou famosa, foi chamada para campanhas milionárias.

"Ganhei muito bem, não nego. Mas o que valorizo é o meu bem estar, poder ficar com a minha família e os meus amigos." E enumera outras vantagens do seu período na moda: viajou o mundo inteiro e aprendeu quatro idiomas -inglês, francês, italiano e espanhol.

"Cansei de ser má"

Nada mal para uma garota de Passo Fundo (RS), descendente de alemães e italianos, filha de um bancário e de uma dona-de-casa, com uma única irmã, Michele, que é também atriz. "Não sei se existe de fato classe média no Brasil, como nos Estados Unidos e na Europa. O que eu vejo aqui é uma classe alta e uma classe baixa. Mas, se existe, eu diria que vim da classe média baixa", define.

Ela terminou o ensino médio, mas nunca teve tempo de fazer faculdade. Era campeã de vôlei quando foi descoberta por uma agência numa quadra, aos 18 anos, uma idade afinal avançada para se tornar modelo.

Na Globo, Letícia fez três novelas. Assim que terminar "Desejo Proibido", na qual interpreta outra vilã, ela embarca para Nova York para um curso de interpretação. "Quero estudar mais e, quando voltar, pelo amor de Deus, me deixem fazer uma heroína. Cansei de ser má nas novelas", pede.

Na vida real, não é mocinha nem vilã. é apenas uma mulher inteligente, de intuições fortes, espantosamente linda. E, como tantas mulheres, planejou se casar, ter filhos e ser feliz para sempre. De repente, tudo deu errado, ela foi ao limite dessa fantasia feminina convencional e enfrentou, por todas as mulheres, a passagem do sonho ao pesadelo.

Mas a turbulência parece estar cessando. No lugar do casamento, no mesmo dia em que subiria ao altar, decidiu fazer uma festa para comemorar o aniversário de 30 anos e recepcionar os amigos e os familiares que viriam para a cerimônia. "Não podia deixá-los cancelar tudo, vôos e hotéis", justifica. A festa para 200 pessoas estava prevista para ontem à noite, na casa da estilista Lenny Niemeyer, sua amiga. O ex-noivo, claro, não estaria entre os convidados.

Balzac descreveu em seus romances os dramas e os impasses sexuais e psicológicos que atingem as mulheres quando elas cruzam a fronteira dos 30 anos --e como se tornam ainda mais fascinantes e femininas depois. O diagnóstico do escritor serviu para cunhar o termo "balzaquiana", que, com o tempo, ganhou um tom pejorativo que não tinha na origem.

No caso de Letícia Birkheuer, a tese original de Balzac se confirma: aos 30, ela é pura sedução, ainda mais quando diz, acendendo o quinto cigarro: "Eu me sinto como se tivesse 20 anos, com a mesma energia e a mesma vontade. A idade é uma coisa mental".

é um clichê, eu sei, mas quem pensa nisso diante daqueles hipnóticos olhos verdes?


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