São Paulo, domingo, 27 de abril de 2008

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Donos da Noite

Balada Carioca

Quem são os empresários que renovam a Noite Carioca sem interferir na paisagem nem copiar São Paulo

por Paulo Sampaio, do Rio

Apesar do histórico de rixas, cariocas e paulistas sempre concordaram em uma coisa: a noite do Rio não bomba como a de São Paulo. "Faltam opções de lugares para ir", costuma-se ouvir nas duas cidades. Serafi na não pode mais concordar com isso. Depois de entrevistar seis fi gurões da noite carioca, gente que reinventou a cena dos clubes no Rio sem interferir na paisagem, percebeu que é possível falar em entretenimento noturno sem fi car apenas nas festas itinerantes de galpão.

Roberto Peres, do Atlântico, revelou um lado nada "trash" da decadente Copacabana (sim, ele existe!); Leonardo Feijó, Daniel Koslinski e áureo César Lima bagunçaram Botafogo e a Lapa; Cello Macedo (bem, ele é paulista) desembarcou na Gávea, ao lado do planetário, e só atraiu boas estrelas. Bernardo Amaral é o príncipe de Ipanema, filho do monarca Ricardo Amaral, dono do lendário Hippopotamus. Se os seis não põem fim a rixas infantis, pelo menos apresentam à "galera" de Sampa um Rio "muito maneiro, aí".

Cabelos muito lisos, salto alto e bolsa "Chanel vintage da minha avó", Nicole Tamborindeguy, sobrinha da "absurda" Narcisa, é assídua no lugar. O deputado Fábio Faria (PMN-RN), ex de Adriane Galisteu, também. Carol Sampaio, promoter do momento no Rio, define: "Aqui vêm a 'mauriçada' e 'os fashion'".

Bernardo Amaral, 38, proprietário do restaurante e lounge Boox, em Ipanema, resiste (só um pouco) às evidências. Ele não gosta do termo "maurício", que considera antigo.

Para Bernardo, seu público é "a juventude da zona sul carioca com tíquete [poder aquisitivo] médio alto".

Filho de Ricardo Amaral, 67, que foi dono durante 24 anos do lendário Hippopotamus, Bernardo puxou ao pai no gosto pelo negócio da noite, mas não pela exposição midiática diuturna.

Posar para as fotos desta reportagem foi quase um drama. "Venho ao Boox, olho, mas não sou identificado como dono. Não dá pra dormir às 5h e fazer RP ou pensar no cardápio. Tem o Walter [Guimarães, operador], que fica com a barriga no balcão, e o Alex [Mayerfreund, filho do dono da Garoto], responsável por 80% da estratégia conceitual da casa", diz ele, em um cantinho do Boox, menos visível do que uma cadeira (de grife) do lugar.

A noite está incrível no Atlântico. é 1h de uma quarta-feira útil e, no bar batizado com o mesmo nome do oceano, tem música boa, gente bacaninha e comida de chef. Estar aquele lugar e, ao mesmo tempo, em Copacabana parece inimaginável.

Mas alguém fi nalmente teve a audácia de abrir caminho para um lugar diferente no calçadão mais decadente do Brasil, conhecido pelas prostitutas, pelos travestis, pelos pivetes e pelos barzinhos especializados em chope, porções e churrasquinho no palito.

O nome desse alguém é Roberto Peres, 52. Criado no Rio, ele fez hotelaria no mesmo Westminster College onde o cozinheiro-celebridade inglês Jamie Oliver estudou. Voltou bcecado por búrgueres. Aqui, bombou desde sempre (no Rio e em uma temporada paulistana). Alguns nomes emblemáticos da lavra de Peres: Cha Cha Cha, Rock Dreams, Alvorada e Uncle Bob.

Antes do Atlântico, ele abriu o menorzinho Copa Café, escondido entre um megahotel e uma obscura esquina da praia. "é chegada a hora de reciclar Copacabana", diz o desbravador.

Paulista que veio morar no Rio há nove anos, Cello Macedo, 42, é um desses sujeitos que surpreendem pelo hibridismo: tornou-se um carioca completamente paulista. Isso xiste? Em termos objetivos, o melhor exemplo é o 00 (lê-se zerozero), espaço inventado por Cello há quase dez anos, na Gávea, entre o planetário e a PUC. Tem o aspecto modernoso de museu de arte dos anos 70, paredes livres de excessos decorativos, pista grande sem divisórias, três bares e, do lado de fora, um lounge a céu aberto cheio de móveis de madeira com almofadões. Então, de repente, foi chegando toda aquela gente que importa no Rio: o povo do cinema, as atrizesdivas, os fashionistas, os gays e, claro, a platéia de infi ltrados.

O lugar bombou. Feliz, Cello, que também tinha o Zazá Bistrô (agora de sua mulher, Isabela Piereck), abriu os bares Devassa e 69: o primeiro virou febre e agora as franquias foram compradas pela Schincariol --mas Cello mantém a parceria. O outro é algo como um zerozerinho. Uma porta na rua Farme de Amoedo, a passarela gay de Ipanema, leva a um inferninho moderno, "sem luz de boate, apenas canhões iluminando um teto móvel cheio de espelhos", bolado pelo "ultra-high-tech" Muti Randolph. Como no 00, as noites são dedicadas a públicos diferentes. "O Rio se modernizou de uma forma legal, sem perder a essência. Eles aqui são mais raiz, São Paulo é mais antena", acredita.

Leonardo Feijó não pode entrar em uma casa velha sem ouvir um acorde de rock, samba ou, mais recentemente, música eletrônica. Primeiro, em 1999, tomou posse do sobradão abandonado pelo avô, em Botafogo, e passou a dar festas para um público que gostava de rock e/ou MPB ("de B-52 a Cartola"), incluindo canjas do então embrionário Los Hermanos. De casa velha em casa velha, Feijó, 34, e seus dois sócios, Daniel Koslinski, 32, e áureo César Lima, 33, inauguraram outros quatro clubes em Botafogo e quatro na Lapa. Eles recebem a reportagem na quatrocentona avenida Men de Sá, onde têm o Brazooka e o Odisséia.

Das caixas de som, ecoa Clara Nunes: "Galo cantou às quatro da manhã/ Céu azulou na linha do mar..." Mas, com toda razão, pedem para não vinculá-los apenas ao samba. Depois da Casa da Matriz, que foi demolida, passaram a organizar festanças de rock para 2.000 pessoas no Cine íris, um "cinema antigão" do centro, e a abrir casas em profusão. Seu público nunca esteve tão eclético. No Pista Três, a noite de quinta é dedicada às lésbicas. No Cine Lapa, a festa Paranoid Android reúne emos que dançam loucamente músicas do grupo Eletric Hell em, bem, em outro sobradão como o do vovô. "às vezes, você imagina um lugar e abre outro diferente. Se der certo, tudo bem", resumem os três. Até agora deu.


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