São Paulo, domingo, 27 de julho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FINO

Frank Sinatra Jr.

O homem duplo

ele tem o nome do pai, voz parecida e até ganha de sinatra "sênior" em técnica e teoria musical -mas perde em carisma

Feche os olhos por um instante e puxe da memória a voz de Frank Sinatra nos versos "I've got you/ Under my skin/ I've got you/ Deep in the heart of me/ So deep in my heart/ That you are really a part of me..."

Abriu? O timbre permanece no ar, mas quem é esse Sinatra gordinho que preenche o smoking engomado ao centro do palco e que rege a própria orquestra enquanto canta "New York, New York" ou "The Way You Look Tonight"?

Frank Sinatra Junior, 64, apenas "o Junior" para os íntimos, é um cantor habitué do circuito de cassinos dos Estados Unidos, com repertório romântico no mesmo estilo que fez a fama de seu pai -chamado de "o Sênior" pelos músicos da banda. Alguns dos instrumentistas, aliás, foram herdados por Junior após a morte de Sinatra, em 1998, e somam mais de 20 anos trabalhando com a família.

Quase-famoso nos EUA, por ser filho de quem é, Sinatrinha, vez ou outra, emplaca alguma aparição pela TV americana. Já participou até do desenho animado "Family Guy", dublando a própria caricatura, em cena disponível no site de vídeos YouTube.

Ele conta que sai pouco dos Estados Unidos, "até por falta de vontade", mas se diz "muito animado" com a turnê que começa hoje (27/7) no Brasil, batizada de "Sinatra by Sinatra". O cantor passará por Manaus (hoje, em frente ao Teatro Amazonas), Brasília (31, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães), São Paulo (4 de agosto, no Via Funchal), Rio de Janeiro (7 de agosto, no Vivo Rio) e mais três capitais (a agenda completa e o serviço dos shows está no site www.sinatra.com.br).

O repertório mistura clássicos da herança paterna com canções dos compositores brasileiros que ele diz admirar, especialmente Tom Jobim, "um homem revolucionário, que mudou a história da música". Ele se diz também fã do compositor Villa Lobos -"há grandes músicos no mundo, mas poucos são gênios, como ele" -e conhece o trabalho de artistas da música popular menos consumidos internacionalmente, como Elba Ramalho.

MÚSICAS NARCÓTICAS

No quarto bem-arrumado do 14º andar de um hotel-cassino em Atlantic City, na costa leste dos EUA, onde recebeu a Serafina, Sinatra Jr. conta que era um garoto que odiava os Beatles e os Rolling Stones, mas que venerava o som das big bands de jazz e as canções de seu pai. "Eu poderia ter ficado famoso e muito rico cantando rock, tive muitos convites para isso. Seria 'o filho de Sinatra que canta rock'. Mas eu jamais cantaria músicas narcóticas, para gente que fica tomando LSD, vendo submarinos amarelos e tendo vontade de pular da janela", diz. "Minha voz é igual à do meu pai e canto como ele. Não tenho problema com isso. Sei que as pessoas irão ao meu show para se lembrar dele", diz.

Nos bastidores, um músico confirma a impressão de que, entre Junior e Sênior, o filho é de longe o mais tímido -e diz também que o pai bebia "muito mais". Apesar de sempre cordial, Junior circula de cara fechada e dá trabalho a Ra-fael Reisman, empresário de sua turnê no Brasil, ao posar para fotos de divulgação do show -20, 30, 40 minutos de cliques e nada de um sorrisinho no rosto. "Sou reservado", justifica.

Quando sobe ao palco, no entanto, puxa risadas e arrisca uma desajeitada reboladinha. Em Atlantic City, parecia o suficiente para a platéia de cabeças grisalhas, algumas se encostando no ombro ao lado, enquanto Junior rabiscava no ar alguma melodia clássica das big bands americanas.

RAPTO DO MENINO DOURADO

Filho de Nancy Sinatra e cercado de madrastas-celebridades (Ava Gardner e Mia Farrow), Sinatra Jr. conta que sempre foi assediado por fãs e jornalistas e que chegou a ser seqüestrado quando adolescente. "O que vivi depois do seqüestro me marcou muito mais do que o fato em si. Aquele monte de jornalista em cima para saber o que aconteceu...", recorda ele, para quem a fama era tida pelo pai como um aborrecimento. "Ser famoso é complicado, é um 'nonsense'. Sua vida passa a não te pertencer mais, mas a pertencer a todo mundo. Eu nunca quis isso para mim."

Ao falar do pai, Sinatrinha é sempre vago. "O que mais lembro dele era a coragem em fazer o que pensava, ser muito firme." Em quais situações? "Em todas", diz, sem prolongar a conversa.

Ele prefere se estender ao falar sobre outros temas, como o apego à tradição de orquestras, que diz estar se perdendo nos Estados Unidos. "Os cassinos são praticamente o único lugar que emprega um cantor com seus 30, 40 músicos. São os 'night clubs' do século 21. Eu sou detalhista, não concordo em colocar cinco instrumentistas e aumentar o som para fingir que há mais pessoas tocando."

Cantor desde jovem, ele se formou em regência pela Universidade da Carolina do Sul e trabalhou boa parte da vida como maestro -rege a própria orquestra quando o titular está de folga, como aconteceu em Atlantic City.

Viajou ao Brasil algumas vezes acompanhando bandas que não a do pai. "Na primeira vez, em 1967, estive em Brasília, que ainda estava sendo construída. Já era uma bela cidade. Gostei mesmo das viagens ao Rio de Janeiro, nos anos 1970 e 1980. A imagem que ficou foi a de um pianista cego chamado Manfredo Fest [que tinha prestígio nos EUA, onde morreu em 1999], que tocava maravilhosamente."

Em uma apresentação em Las Vegas, ele passava o som no palco quando Tom Jobim chegou de mansinho, sacou um violão e começou a acompanhá-lo, sem que ele percebesse. "Os músicos olhavam assustados, admirados", recorda.

"Os músicos" são sujeito constante nas frases do herdeiro de Frank Sinatra, que reconhece ter muito mais conhecimento técnico em música do que tinha seu pai. No palco do cassino em Atlantic City, fica claro também que deve muito pouco ao pai em voz, mas um tanto mais em carisma.

Este texto mencionou que ele não tem olhos azuis?

Texto Anterior: PASSAGEM: Saint-Tropez, por Eliane Trindade
Próximo Texto: ONDE: Samba nas ruas do Rio antigo, por Heloisa Seixas
Índice



Clique aqui Para deixar comentários e sugestões Para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É Proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou imPresso, sem autorização escrita da Folhapress.