São Paulo, domingo, 27 de setembro de 2009

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SÉRGIO DÁVILA

EUA aprendem que o mínimo é o máximo, por Ana Ribeiro

por SÉRGIO DÁVILA

"FRUGALISTAS" GRAÇAS A DEUS

Como a crise financeira detonou a lei do menos é mais no comportamento dos
norte-americanos –mas não todos

A virada da Era Bush para os Anos Obama marca também a troca de guarda de duas palavras no vocabulário financeiro-emocional do norte-americano médio. Sai o "mais" (more), entra o "suficiente" (enough). Ter o suficiente, como ensinam o ativista progressista Michael Moore em seu mais novo documentário e o autor e teórico financeiro John Bogle em seu livro mais recente, é anátema do capitalismo selvagem que se instalou nos EUA nas últimas décadas. Quando há o suficiente, não é preciso mais.

Se a sanha gastadora do gringo fez desse o maior país do mundo, movimentando 70% da economia local e, com isso, as engrenagens do resto do planeta, foi essa mesma sanha que levou os Estados Unidos ao chão e, com ele, o planeta. Um exemplo dessa mentalidade é o que disse o então prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, logo após o ataque às Torres Gêmeas. Indagado sobre o conselho que daria aos seus concidadãos, respondeu:"Gastem".

Gastem. Foi o que os nova- iorquinos e o resto do país fizeram. De 2001 até o ano passado, a dívida média no cartão de crédito triplicou, para perto de US$ 10 mil por lar norte-americano. "Nada nunca é suficiente no atual sistema", disse Michael Moore no Festival de Cinema de Toronto, que terminou na semana passada.

OK, o diretor estava promovendo seu filme, "Capitalism, a Love Story" –ele explicou o título dizendo que a história de amor é dos capitalistas com o nosso dinheiro–, e Moore é um dos suspeitos de sempre: fez filmes-denúncia sobre o excesso de armas, os motivos que levaram à Guerra do Iraque, o sistema de saúde... Enfim, o mais perto de um socialista que o país vai ter.

Mas e John Bogle? O sujeito criou o fundo de investimentos Vanguard, que administra ativos de US$ 1 trilhão, é um dos maiores do mundo e também considerado revolucionário no meio financeiro. No livro "Enough.", ele defende que o "homo americanus" gasta muito e cria pouco. Estima que um terço do dinheiro que circulou nos EUA em 2007 não tinha base em nada, eram papeis de banco imobiliário criados por financistas inteligentes. É nesse lago de perdularismo imaginário que os americanos nadaram até se afogar.

Bem, veio a crise e o choque de realidade. Hoje, as pessoas começam a pensar que talvez o carro mais econômico seja melhor, que a casa com apenas dez cômodos seja suficiente, que só cinco pares de calças jeans resolvam. Enfim, deram um "basta" (enough). Há até um termo criado para designar essa tribo. São os "frugalistas", de frugal, modesto. Entram no lugar dos "fashionistas", os escravos da última moda.

A transição da velha tribo para a nova tribo está muito bem retratada no filme "The Joneses", exibido no festival canadense. Nele, uma família de araque, formada por dois vendedores que passam por um casal (os atores David Duchovny e Demi Moore) e seus dois "filhos", é contratada por uma empresa para instilar novos hábitos de consumo e uma corrida entre vizinhos de um bairro para ver quem supera o outro em gastos supérfluos. Acaba em morte e redenção de pelo menos um fashionista, que vira um frugalista.

Os sinais estão também no mundo real. Em Harvard, o número de formados em todas as áreas que vão para o mundo financeiro caiu de 47% em 2007 para 20% em 2009. Em Los Angeles, a KB Home, uma das maiores construtoras de casa do país, voltou a investir, mas em modelos 30% menores do que há dois anos. Em pesquisa recente da revista "Time", 38% dos adultos ouvidos disseram que a crise fez deles consumidores responsáveis.

Não que a mudança seja total: em Miami, uma blogueira registrou o termo "frugalista". Quer que cada pessoa que o use pague a ela...

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