São Paulo, domingo, 27 de setembro de 2009

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FINO

Uma noite de novela ao lado do autor de "Viver a Vida"

por ANA RIBEIRO, do Rio

SENHOR DOS DESTINOS

Manoel Carlos não perde um primeiro capítulo de novela: da Globo, da Record, "do Silvio Santos"; Serafina assistiu à estreia de "Viver a Vida" ao lado de seu autor

Maneco está contrariado. Preferia assistir à estreia de "Viver a Vida" em seu apartamento, no Leblon, concentrado nos erros e acertos do primeiro contato de seu trabalho com o público. Ver com os olhos do Brasil o mesmo capítulo que já viu duas vezes em uma sala no Projac –com o diretor, Jayme Monjardim–, sabendo que, se quisesse, poderia mudar alguma coisa. "Agora é pra valer. Não dá pra recuar", diz ele. "A audiência média da novela das oito é de 50, 60 milhões de pessoas. É uma eleição de presidente da república por noite."

Mas hoje –14 de setembro– é dia de festa. A Globo convidou "todo mundo": técnicos, contra-regras, elenco, motoristas, cenógrafos, figurinistas, famílias e amigos para um jantar de confraternização numa churrascaria no aterro do Flamengo. O autor (ao contrário dos atores principais, que não apareceram) achou que seria antipático não ir.
Maneco está acompanhado da mulher (a terceira), Bety, de 54 anos, com quem é casado há 32, da filha Maria Carolina (de seu segundo casamento, com a deputada estadual Cidinha Campos), da neta Sofia, e de Pedro, o filho caçula, de 17 anos, que levou a namorada. "Tenho quatro dos cinco filhos que eu tive. Perdi Ricardo em 1988, aos 33 anos. Manequinho, o mais velho, tem 56. Júlia e Pedro, os mais novos, ainda moram comigo."

Jayme dá a notícia: "Começa às nove e cinco." No "Jornal Nacional", Fátima Bernardes e William Bonner dão o tradicional boa noite e hoje convidam: "Fiquem agora com o primeiro capítulo de 'Viver a Vida’". "Êêêêê!", grita a animada plateia.

CAMINHO SUAVE

Está lá a heroína Helena, que não pode faltar numa novela de Manoel Carlos –Lillian Lemmertz inaugurou a saga em "Baila Comigo", de 1981; Regina Duarte já foi Helena três vezes; Christiane Torloni, Vera Fischer e Maitê Proença viveram as suas. "Acho bonito, sonoro. Nunca coloquei em nenhuma filha porque considero mais um nome de personagem do que de pessoa. Parece pseudônimo", diz Maneco, que batizou em "Viver a Vida", até agora, 50 personagens. Com nome, sobrenome, signo e data de nascimento. "A melhor fonte de escolha de nomes são os necrológios. As notícias fúnebres são fantásticas como inspiração."

Está lá também o seu "heleno", José Mayer, o ator mais constante em suas tramas, e o Rio de Janeiro, que o paulistano do Pari diz "amar de paixão". "Vivo aqui há 40 anos e ainda vou para os lugares pelo caminho mais bonito, nunca pelo mais curto." Desta vez, introduziu como cenário o balneário de Búzios, onde passa férias com a família há mais de dez anos, numa casa alugada.

AMIGOS DE OCASIÃO

Maneco explica que, como todo novelista, tem um grupo preferencial de atores. "A pessoa que mais trabalha comigo é o Zé Mayer. É meu querido amigo durante a novela, depois nem vejo mais. Mas ele sabe que gosto muito dele e que penso nele a cada trabalho novo. Agora liguei e falei: 'Vamos fazer uma novela?' E ele: 'Desta vez eu como quem?’ Eu digo: ´A Taís`[Araújo]. E ele: 'Boa, boa!'"

Bety comenta: "Só tem mulher bonita nessa novela. O que vai ter de fofoca!" A neta Sofia antecipa: "Vai rolar um monte de barraco com a ex-mulher." Monjardim está de olho no Ibope: "Estamos chegando ao 44, vamos fechar no cinquentinha! [cada ponto equivale a 57 mil domicílios na Grande São Paulo]".

Primeiro capítulo é aquele capricho: longo, feito com tempo. Depois da estreia, o ritmo de gravação entra numa rotina quase industrial. Maneco sabe bem disso. "Não perco primeiro capítulo de novela. Não só da Globo, como da Record, do Silvio Santos. Gosto de ver como o autor apresenta os personagens, a abertura, como está graficamente."

A filha Júlia, 26, atriz, telefona no intervalo. "A Lilia Cabral está ótima! É minha mãe direitinho. Você pega muita coisa de mim e da mamãe!", comenta. Maneco acabou de receber o maior dos elogios. "Não me preocupo em ser realista, mas verossímil. Quero que as pessoas em casa digam: 'Você é igualzinho a esse aí!’. Não acho que novela seja só entretenimento. É um desperdício você pegar 60 milhões de espectadores e fazê-los rir ou chorar apenas. Tem de passar alguma coisa." Não é da conta de Maneco, mas não dá para desconsiderar: o custo médio de cada capítulo é de R$ 400 mil.

150 CRIAS

Às 23h, os convidados se agitam. Mal termina o capítulo, chega Taís Araújo. Acompanhada do marido, o ator Lázaro Ramos, de vestido curto e salto altíssimo, ela está a cara da Helena-modelo-de-sucesso que interpreta. "Adorei! Foi linda, colorida, divertida. E me achei bem gata também", brinca.

Enquanto os atores se abraçam e comentam a estreia –que alcançou média de 43 pontos no Ibope e 45% de audiência no PNT (Painel Nacional de Televisão), o que significa cerca de 40 milhões de brasileiros–, Manoel Carlos se levanta para ir embora. Aos 76 anos, usando bengala para compensar uma dormência muscular no pé direito, ele tem muito no que pensar. Pelos próximos oito meses, vai cuidar dos destinos dos cerca de 150 personagens que vão entrar e sair de "Viver a Vida".

Ele conta que tem ajuda. São cinco colaboradoras de texto e três pesquisadoras. Tem mais: "Há um momento na novela em que o ator sabe mais do personagem do que o autor. Acontece de eu escrever: fulano acende um cigarro. E o ator reclama: 'mas esse cara odeia cigarro!’ Minha filha Maria Carolina trabalha comigo, e uma de suas funções é me lembrar. É dizer: 'Papai, isso aqui está incoerente com o que você disse 20 capítulos atrás’." E São Pedro também há de estar do seu lado. "Daqui até o fim da novela, faz sol direto em Búzios."

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