São Paulo, domingo, 27 de setembro de 2009

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PARIS EM FOCO

A capital francesa dividida entre arquitetura e corpo nu

PARIS EM CHAMAS

por GIULIANO CEDRONI

A fotógrafa Véronique Vial usa Paris como moldura para o passeio de uma bailarina nua em seu novo livro, "Naked Paris", que será lançado em outubro nos EUA e na França

Nova York foi interpretada pelo artista de rua Basquiat e pelo cineasta Woody Allen. Londres de Hitchcock em nada se parece com a do grafiteiro Banksy. O fotógrafo Geraldo de Barros revelou outra São Paulo aos paulistanos, assim como o Rio de Janeiro de Miguel Rio Branco é único e inalcançável em suas imagens. Mas Paris é um caso à parte. A cidade acolheu artistas de todas as estirpes que devolveram a hospitalidade na moeda da mais fina arte. Rodin, Rimbaud, Matisse, Picasso, Duchamp, Henry Miller, Truffaut, Bertolucci, Avedon, Cartier-Bresson... A lista é inesgotável. Difícil imaginar a arte ocidental sem Paris. Difícil imaginar Paris sem arte.
Véronique Vial é uma parisiense atípica. Livre, deixou a França porque gosta de rir. "Ali, nem sempre isso é bem visto", gargalha ao telefone de sua casa, em Los Angeles. Vial tem olhar acurado e estilo próprio, algo difícil quando todos carregam uma câmera no bolso. Seu trabalho na publicidade internacional é sólido, e seus editoriais foram impressos nas mais prestigiadas revistas de moda e comportamento do mundo. No âmbito pessoal, a francesa é um fenômeno: "Paris Naked" (editora Schimer-Mosel) é seu 11º livro. "Em meu trabalho pessoal, uso filme e minha câmera analógica Hassellblad. Nada de digital... Ali sou pura" –de uma pureza impregnada de malícia.

Vial é autora de livros como "Women Before 10 a.m.", no qual artistas de cinema como Angelina Jolie e Sofia Coppola são flagradas antes da hora marcada para a foto de capa. O resultado é simples e surpreendente, como a maioria de suas imagens. Em "An American in Venice", ela acompanha um estrangeiro pelas esquinas líquidas da cidade italiana. "Paris Naked" usa o mesmo conceito: quatro noites seguindo a bailarina e amiga Nathalie Pasqua em 2008.

No início do livro, há a reprodução de uma foto de Brassaï, fotógrafo húngaro que viveu e fez fama na Paris do século 20. Algumas páginas à frente, Vial coloca Nathie na mesma locação, no mesmo ângulo e preto e branco usado pelo colega. Mas a presença feminina muda tudo. "Cresci olhando os livros de Brassaï e adoro o seu trabalho", diz. Notívago assumido, Brassaï certamente apreciaria o trabalho de Vial.

As imagens dela parecem sair de uma película do cinema noir. Poderiam contar sobre uma perseguição. Ou uma fuga. Ou ainda a história de uma separação, de uma desilusão, de uma exibicionista, de um voyeur... Seja qual for o roteiro, o protagonista-mor de Paris é e sempre será o amor, mais precisamente o amor materializado pela mulher. "A mulher francesa é complexa, muitas vezes fria, mas algo dentro dela lhe dá a segurança de que, na arte da sedução, ela é soberana. E isso é um poder enorme!". Talvez a tese explique a razão de Nathie parecer vulgar em uma foto e elegante em outra. Não tem jeito, certas coisas não mudam. Seja no outono ou na primavera, aos 20 ou aos 50, solteiro ou casado, a trabalho ou no ócio, em película ou em pixel... Difícil imaginar a arte sem o amor. Difícil imaginar o amor sem Paris.

ESTÁTUA VIVA

A musa de Véronique Vial é Nathalie Pasqua, uma parisiense que foi bailarina na Ópera de Paris durante 20 anos e, depois, tornou-se artista plástica. Assim como Véronique, Nathie, como é chamada por seus amigos, não quis revelar a idade... Mas não teve problemas em falar de nudez, amor e voyeurismo.

Onde estudou?
Na Escola da Ópera de Paris.

Aceitar um convite para perambular nua pela cidade não é para qualquer um... Por que aceitou? Véronique tem um jeito especial de te fazer sentir muito livre, e graças a isso você acaba querendo dar tudo a ela... Aceitei o convite porque amo Véronique e a cumplicidade que temos.

Você se sentiu desconfortável em algum momento durante as fotos?
Foi uma mistura de diferentes sensações, pavoroso e excitante ao mesmo tempo...

Teve medo?
Um pouco.

Frio?
Muito.

Já tinha ficado nua em público?
Depende do que chama de "público"...

Como definiria a mulher francesa?
No Brasil, costuma-se dizer que são complicadas... Sou a mulher mais complicada do mundo.

E como definiria a mulher brasileira?
Sexy.

No próximo natal, "Paris Naked" vai ser um dos presentes que você vai dar a amigos e parentes?
Não só no natal...

PARIS EM FOCO

Por EDER CHIODETTO

LUA CRESCENTE

Dona de Um olhar que "desrealiza" o que enxerga e registra. É assim que a fotógrafa Sarah Moon, exposta em Sp em outubro, é conhecida mundo afora

"Desrealizar", verbo inexistente na língua dos outros, foi inventado pelo curador e editor Robert Delpire para ser inserido apropriadamente no léxico de Madame Moon, 68. Nesse dicionário imaginário, o vocábulo poderia ganhar a seguinte definição: (verbo transitivo direto) tornar irreal. Ação que visa a distrair a realidade até que ela revele sua porção onírica e fabular. Ato geralmente praticado por seres lunáticos.

Mais que uma atitude poética diante da vida, abstrair a realidade também foi um recurso vital e necessário quando a origem judaica de Sarah Moon a obrigou a fugir da França durante a ocupação dos nazistas. A Inglaterra e os cursos de desenho foram o seu refúgio.
Antes de a fotografia se tornar sua forma de expressão dominante, essa francesa esbelta, alta e elegante, aprimorou sua capacidade de inventar mundos paralelos à realidade dando largos passos nas passarelas dos desfiles de moda. Diante das câmeras e do público, Moon criou, entre 1960 e 1966, uma gama infinita de personagens para a alegria de estilistas e fotógrafos.

O mítico ano de 1968 a levou a inverter essa posição. A modelo deu lugar à fotógrafa. Por trás da câmera, ela agora sabia extrair de suas modelos a pose ideal para, com apenas uma imagem, criar uma narrativa na qual se mesclavam nostalgia, sensualidade e fantasia.
Inspirada pelos fotógrafos pictorialistas da virada do século 19 para o 20, Madame Moon enveredou nos anos 70 por uma estética particular, na qual uma forte granulação, a sensação de névoa permanente e o uso constante de cores com tonalidades suaves atribuía aos seus editoriais de moda e retratos uma atmosfera original e ficcional com uma forte marca autoral. Essa fase teve seu ápice no calendário da Pirelli, realizado por ela em 1972.

Qual a fórmula para criar imagens que surgem como o fragmento de uma fábula? Onde nasce a história? "No início, eu pensava numa história e a partir dela criava uma situação para fotografar. Não faço mais isso. Agora prefiro estar permanentemente à espera de uma história que ainda não sei qual é. Esse estado de expectativa diante do momento, uma certa vigília distraída, tem uma força que acaba por desencadear a história em si", diz.

Nostálgica e retrô, sua fotografia ganhou destaque e a tornou conhecida por meio de inúmeras publicações nas revistas "Harper’s Bazaar", "Vogue" e "Elle". Criou campanhas memoráveis para grifes como Chanel, Comme des Garçons e Cacharel. Apesar de estar bem situada comercialmente, conseguindo impor seu estilo num mercado que tende naturalmente a pasteurizar e podar a criatividade dos fotógrafos, a "mulher-lua" queria mais.

Como para ela uma imagem leva sempre a uma história que deve ser completada pela imaginação, a decorrência natural do seu trabalho foi pensar a fotografia como narrativa. A equação se resolveu: fotografia + narrativa = cinema.

MISTURA FINA
Sua guinada como artista aconteceu ainda nos anos 1970, a partir de uma profícua mescla entre fotografia, cinema e literatura, que resultou em filmes produzidos até os dias de hoje, nos quais os temas mais recorrentes são memória, morte, infância, feminilidade e solidão. Em 1979, recebeu o Leão de Ouro, em Cannes, por seus curtas e, em 1983, o prêmio Clio, em Nova York.

Nos últimos anos, Sarah Moon radicalizou na extrema liberdade com que fotografa, filma e faz referências à literatura. Suas adaptações para os contos infantis do dinamarquês Hans Christian Andersen (1805 – 1875) mesclam imagens fixas com cenas em movimento, o preto e branco granulado que domina sua película, por vezes, é sucedido por cores que pontuam o clima psicológico da narrativa. Uma forma de construção da história que reverbera na produção contemporânea da geração YouTube.

Quatro desses filmes de Moon realizados nos últimos seis anos –"Circuss" (2003), "L’effraie" (2005), "Le Fil Rouge" (2006) e "La Sirene d’Auderville" (2007)– serão exibidos em São Paulo, no Instituto Itaú Cultural, a partir de 14 de outubro, na mostra de fotografia e vídeo "A Invenção de um Mundo", montada com acervo da Maison Européenne de La Photographie. Integrando o evento, sete imagens da artista saem da tela e vão para a parede, mostrando como o trânsito entre cinema e fotografia se tornou, de forma bastante contemporânea, o eixo do trabalho conceitual da artista.

Assim como Miró, que afirmava ser preciso desaprender a desenhar para voltar a ter o vigor e a casualidade que uma criança possui ao fazer desenhos com total liberdade dos sentidos, a estética desenvolvida por Moon também recorre às reminiscências infantis: "Para ser mais criativo é preciso se reaproximar da infância", diz.

Alquimista da imagem, ela segue interferindo em suas obras dando às mesmas um tratamento particular. Imagens degradadas, com manchas, acidentadas ou sem foco representam a passagem da realidade para a fugacidade do imaginário. Lunática nos momentos de criação e extremamente rigorosa e coerente com sua obra, Madame Moon é uma jovem senhora a iluminar novas gerações de artistas visuais.

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