São Paulo, domingo, 28 de março de 2010

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FINA

Conheça Marie NDiaye, a autora francesa de quem você ainda vai ouvir falar

por ALEXANDRE AGABITI FERNANDEZ

VIVE LA RESISTANCE

Ela recebeu o maior prêmio literário da França, publicou seu primeiro livro aos 17 anos e não gosta do presidente Sarkozy: conheça a marrenta Marie Ndiaye

Apontada pela crítica francesa como uma das mais talentosas escritoras de sua geração, Marie NDiaye, 42, tem um posicionamento atípico a respeito de suas origens.
Filha de uma francesa e de um senegalês, criada pela mãe em um subúrbio de Paris, ela repudia o rótulo de mestiça. "A África só me atrai porque é desconhecida. Pode parecer contradição, pois tenho um sobrenome africano e a cor da minha pele leva a crer que sou africana. Mas o que me interessa é essa diferença entre a imagem que transmito e o que realmente sou: 100% francesa."
Outra particularidade de NDiaye é a precocidade. Estreou como escritora ainda adolescente, aos 17 anos, quando seu romance "Quant au Riche Avenir" foi publicado pela prestigiosa editora francesa Éditions de Minuit. Na época, a revista "La Quinzaine Littéraire" saudou assim a jovem autora: "Ela já é uma grande escritora. Encontrou uma forma que só pertence a ela de dizer coisas que pertencem a todos".
Em novembro passado, NDiaye recebeu o prêmio Goncourt, a mais importante distinção literária da França. Ainda desconhecida do público brasileiro, a prosa de NDiaye está chegando por aqui com a publicação do romance "Coração Apertado", pela Cosac Naify.
Narrativa inquietante, de feições kafkianas, o livro visita temas recorrentes na obra da escritora, como a família e seus segredos. "Falo do que penso conhecer melhor, e a família é o tema com o qual me sinto mais à vontade. Famílias são um concentrado de humanidade, ali encontramos todos os sentimentos humanos."
Reservada, de fala mansa, NDiaye mostra convicção no que diz. Parece ter sempre sabido que se tornaria escritora. "Cresci entre livros, pois minha mãe lia muito e me levava à biblioteca. A vontade de escrever veio na adolescência. O que é raro no meu percurso não é o fato de ter sido uma garota que escrevia, mas o fato de ter sido educada para isso."
Quando adolescente, não gostava dos poucos livros infanto-juvenis que lhe caíam nas mãos. "Com 12, 13 anos, comecei a ler os clássicos da literatura francesa do século 19, principalmente Émile Zola, que me fascinou." Seus primeiros textos são dessa época. Mas a relação com a literatura não fez dela uma solitária: "Era sociável, vivia rodeada de amigos".

FRANÇA VULGAR
Se na juventude era extrovertida, ao se tornar escritora as coisas se inverteram. Avessa à badalação tão comum no meio literário, Marie passou a viver um pouco retirada, em cidades pequenas, ao lado dos três filhos e do marido, o também escritor Jean-Yves Cendrey –que conheceu depois que ele lhe enviou uma carta ao ler seu primeiro romance.
Apesar da discrição e da aversão a polêmicas –ao contrário de outros escritores franceses de sua geração, como Michel Houellebecq–, NDiaye se envolveu recentemente em uma controvérsia.
Entrevistada pela revista cultural francesa "Les Inrockuptibles", a escritora respondeu a uma pergunta sobre como se sentia na gestão de Nicolas Sarkozy afirmando que achava essa França "monstruosa" e que a eleição do atual presidente tinha muito a ver com sua decisão de ir morar em Berlim. "Acho detestável a atmosfera de vigilância constante, de vulgaridade", disse à revista.
A entrevista não teve repercussão quando foi publicada, mas bastou NDiaye ganhar o Goncourt para que o deputado Eric Raoult bradasse à imprensa que um agraciado pelo prêmio deveria se abster de emitir opiniões políticas, "em respeito à coesão nacional". Raoult chegou a escrever ao ministro da Cultura, Frédéric Mitterrand, cobrando uma atitude. Mitterrand se contentou em dizer que o problema não lhe dizia respeito. "Faltou grandeza ao ministro, ele foi covarde", diz Marie, sem rodeios.
Há dois anos na capital alemã, a escritora respira aliviada: "O fato de não estar tão bem informada sobre o que acontece na França me fez bem, a atmosfera aqui é bem melhor".

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