São Paulo, domingo, 28 de junho de 2009

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FINA

A mulher mais solitária de Nova York

por LYNNLEY BROWNING, DO "NEW YORK TIMES"

como o glamour na vida de ruth madoff se converteu em isolamento social depois do rombo de uS$ 65 bilhÕes causado por seu marido

Ela costumava retocar os reflexos de seus cabelos a cada seis semanas -sua tonalidade é "soft baby blonde" (loiro suave), e era inflexível em relação à cor-, mas, da última vez que ligou para seu salão de beleza em Manhattan, o Pierre Michel na rua 57 East, ouviu que não deveria voltar. "Entendo", disse ela, segundo o co-proprietário do salão.

A dona da floricultura Amagansett Flowers by Beth, que decorou a festa anual da empresa de seu marido, rejeitou-a como cliente, dizendo que se recusava a lidar com a mulher de um dos mais notórios criminosos financeiros da história.

Mesmo seus filhos, Mark e Andrew, que não foram acusados pela promotoria do caso, mas foram proibidos por seus advogados de entrar em contato com seus pais, começaram a se referir à mãe e ao pai como "Ruth" e "Bernie", segundo amigos da família.

Ruth Madoff, 68, não foi denunciada por nenhum crime, nem sequer foi interrogada pelos promotores. Mas se tornou possivelmente a mais vilipendiada esposa de um trapaceiro financeiro. Quando seu marido, Bernard Madoff, divulgou seu esquema de "pirâmide", uma fraude de US$ 65 bilhões, a vida de Ruth Madoff também foi arruinada. Embora até agora (ou ao menos até a conclusão desta edição) não tenha vindo à tona nenhuma prova de que ela tenha conspirado com seu marido ou que tivesse conhecimento de seus crimes, sua situação não suscitou nenhuma solidariedade pública. Ela vem sendo exposta ao ridículo e convertida em pária.

As mulheres de outros criminosos notórios, como Ivan Boesky, Michael Milken e Nicholas Leeson foram expostas a tratamento social impiedoso, mas acabaram emergindo com novas carreiras e amizades. Elas ainda podiam sair de casa, ainda contavam com os serviços de seus cabeleireiros. Não eram cercadas pelo mesmo bando de fotógrafos implacáveis que perseguiram Ruth quando ela foi ao supermercado comprar queijo, alguns meses atrás.

A ENCARNAÇÃO DO MAL

A reação pública à mulher de Bernard vem sendo furiosa e causticante. Com ou sem razão, ela é vista como beneficiária impenitente de riqueza obtida por meios injustos, uma encarnação mignon e bem vestida da cobiça coletiva e inflada que ajudou a derrubar a Bolsa e o setor habitacional. "Ela é vista como o súcubo que fez par com o íncubo de Bernie", analisou Richard A. Shweder, antropólogo cultural da Universidade de Chicago. "Ela estava no interior de um círculo de pessoas cuja riqueza foi sugada para fora do sistema." Seema Boesky, cujo ex-marido se tornou sinônimo de negociação fraudulenta com informações privilegiadas e dos excessos dos anos 1980, sente-se dividida. "Minha reação imediata foi de solidariedade com essa mulher", declarou ela em entrevista por telefone, acrescentando que não conhece Ruth Madoff pessoalmente. "Eu queria escrever uma carta a ela, procurá-la, convidá-la para almoçar. Mas meu advogado disse 'não'."

DORMINDO COM O INIMIGO

Desde que, em dezembro, promotores acusaram Bernard Madoff, 71, de orquestrar um esquema que roubou dinheiro de milhares de investidores e fundações -incluindo organizações beneficentes favoritas do público, universidades e o sobrevivente do Holocausto Elie Wiesel-, Ruth Madoff vem sofrendo as repercussões. Entre os fatores que operam contra ela, está a proximidade com seu marido em um mundo em que as mulheres frequentemente ficam nos bastidores. Ruth Madoff foi diretora da empresa de seu parceiro e esteve ao lado dele, inseparável, durante 49 anos de casamento. Há também a falta de contrição pública da parte dela e sua iniciativa, tomada dias antes de o escândalo estourar, de tirar US$15,5 milhões de uma conta de investimentos e transferir relógios, abotoaduras e outras joias para seus filhos. Um dia depois de ela deixar a cadeia de Manhattan, onde seu marido está preso, uma equipe de cinegrafistas da TV ABC perguntou que mensagem ela gostaria de transmitir às vítimas. Ruth disse: "Não tenho resposta a dar a vocês". "Ela não declarou 'eu não fazia ideia'", disse Samantha von Sperling, consultora de imagem social em Manhattan. "Tudo o que vemos é ela vivendo em um mundo de dinheiro roubado. Se eu fosse Ruth Madoff, passaria a dedicar minha vida à caridade. Um orfanato ou um abrigo para animais abandonados seria um bom lugar para começar." Entrevistas feitas nas últimas semanas com pessoas próximas de Ruth Madoff a retratam como uma mulher excluída socialmente, angustiada com a falta de contato com seus filhos e netos. A maioria se negou a falar abertamente, citando a investigação criminal contra o marido dela. Ira Lee Sorkin, advogado de Bernard Madoff, declarou que a mulher de seu cliente "sente grande solidariedade pelas vítimas dos erros de conduta de seu marido e está profundamente preocupada com a condição física e emocional de seu companheiro". Mas acrescentou: "Não há dúvida de que há um problema de imagem".

A DIABA VESTE JEANS

Antes do escândalo, Ruth Madoff exalava bom gosto discreto. Costumava ser vista trajando calças pretas justas, camisas de algodão branco, sapatilhas de crocodilo Susan Bennis Warren Edwards e joias clássicas de ouro, segundo uma amiga da família que a encontrava regularmente em reuniões sociais. Hoje, de acordo com uma pessoa que mantém contato frequente com Ruth, ela passa seus dias encerrada em uma cobertura dúplex de quatro quartos na rua 64, perto da avenida Lexington, trajando jeans e camisa de botões. Conversa frequentemente com uma das poucas amigas que não a abandonaram, Cynthia Lieberbaum, colega dos tempos de colégio. O casarão do casal em Palm Bea-ch, Flórida, foi entregue às autoridades. Ruth só deixa seu apartamento para visitar o marido na prisão, a cada 15 dias, para comprar alimentos ou para falar com seu advogado, Peter Chavkin, no escritório deste em Midtown. Chavkin se negou a dar entrevista e disse que Ruth Madoff tampouco o faria. Sua vida atual é circunscrita pelos procuradores federais que buscam decifrar como foi realizada a fraude de seu marido -e quem mais tomou parte no esquema. Recentemente, ela se submeteu ao congelamento voluntário de todos os seus gastos, excetuando os essenciais, como alimentação. E deixou de frequentar a academia Equinox, a uma quadra de distância de sua cobertura, onde pagava mensalidade de US$ 1.200. Comer nos restaurantes chiques de Manhattan que ela costumava frequentar também está fora de questão. Marco Proietti, gerente geral do restaurante italiano Bella Blu, na Lexington, perto da rua 70, disse que Ruth, provavelmente, seria declarada persona non grata se aparecesse no local. "As pessoas acreditam que ela sabia o que estava acontecendo", disse ele. "Além disso, um de nossos fregueses perdeu US$ 10 milhões." Indagada se voltaria a aceitar Ruth Madoff como cliente, Beth Eckhardt, gerente da floricultura Amagansett Flowers by Beth, em Long Island, respondeu: "Você está brincando? De jeito nenhum". Mesmo em seu exílio, o mundo de Ruth vem encolhendo a passos largos. Vítimas do esquema da pirâmide estão pressionando o curador da falência e os procuradores federais para vender tudo o que for possível, incluindo o apartamento de cobertura do casal, que foi usado para ajudar a pagar a fiança de Madoff. Depois do anúncio da sentença dele, previsto para amanhã, 29 de junho, é possível que o apartamento seja confiscado. Por enquanto, mesmo que de longe, Seema Boesky tem uma mensagem a transmitir a Ruth Madoff. "Se você foi honesta", diz ela, "não deixe o mundo assá-la em um espeto."

Tradução de Clara Allain

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