São Paulo, domingo, 28 de novembro de 2010

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ENSAIO

Radical Chic

por SILVIA CRESPI

A obsessão por cachorros foi levada às últimas consequências pelo premiado fotógrafo inglês Tim Flach, Que os transformou em esculturas vivas em seu último trabalho, reunido no livro "Dogs", recém-lançado na Inglaterra

A transformação da natureza. Essa é a inspiração do fotógrafo inglês Tim Flach para seu novo trabalho, reunido no livro "Dogs", lançado em outubro. O nome é básico, simples, quase o contrário da obra. Os cachorros fotografados são tudo, menos comuns. Alguns têm apenas um olhar especial, ou um porte aristocrático. Outros sofreram intervenções e têm os pelos pintados ou esculpidos de tal forma que, nos casos mais extremos, se tornam figuras abstratas e até mesmo surreais.
Não é a primeira vez que Flach mira os animais com sua lente. Seu livro anterior, "Equus", lançado em 2008, tinha cavalos como tema e foi um sucesso de vendas e críticas positivas.
O inglês também desenvolveu uma série inusitada sobre morcegos, entre outros bichos menos populares. Os ângulos inesperados e sua técnica aprimorada ajudam a revelar os detalhes e a beleza das criaturas mais estranhas. Suas imagens já foram parar em vários títulos importantes, como a revista "National Geographic", a mais tradicional a lidar com ciências naturais e diferentes culturas.
Apaixonado por cachorros, Flach desenvolveu "Dogs" por acreditar que os caninos têm cada vez mais importância para a vida do homem moderno. "Quando a maioria da população morava no campo, havia um convívio intenso dos humanos com diversos animais, como cavalos, galinhas e...cães. Hoje, nos restam os últimos, por serem os bichos mais domesticáveis que existem", disse à Serafina.

Perros. Por que tê-los?

Por Fred Melo Paiva
Criar cachorro é uma coisa estranha –tão bela como as imagens de Tim Flach, tão estranha como elas. Porque com o cachorro você despende dinheiro, tempo, atenção, cata cocô, limpa pêlo, escuta o vizinho reclamar. Ganha-se um amigo– mas não haveria maneira menos trabalhosa de se conseguir um?
Há uma questão inconfessável que volta e meia atormenta o sujeito que comprou ou adotou um cachorro: por que eu fiz isso comigo mesmo? É mais ou menos como aquele outro que adquire um sítio. Passados seis meses, vendo-se envolto numa trabalheira danada, não há 4x4 que o retire de sua lama existencial. Nesse momento dispõe-se a entregar tudo ao preço da bananeira da horta. É um tipo de coisa que não se cogita no caso do cão, porque por ele nutrimos um quase inexplicável afeto –e, salvo desonrosas exceções, não tem negócio: não damos, não vendemos, não trocamos. O que torna ainda mais insondável nosso secreto questionamento: por que eu decidi criar um cachorro?
Tenho vasta experiência com as agruras de criador de cachorros. Log ficou paraplégico aos 5 anos e tinha de ser massageado na bexiga três vezes por dia para urinar. Cajango comia o jornal que o motoboy arremessava no quintal. Cajango e Malva eram muito grandes, e quando ela entrava no cio eu me sentia impotente. Tiveram 35 filhos. Dei 34 e só consegui vender um, a duras penas.
Mais tarde Cajango teve um câncer no baço. Gastei os tubos para retirá-lo, tendo depois de carregar a sacola com esse baço pela Cidade Universitária, para que fosse feita uma biópsia. Logo o câncer atingiu o fígado e Cajango foi sacrificado. Morreu com a cabeça nas minhas mãos, uma cena e tanto. Sem exceção, foram companheiros que tiveram respeito pela imprensa: jamais defecaram sobre o jornal. Da mesma forma que jamais fizeram outras coisas que seriam louváveis fazer no caso de você ser cachorro.
Dotado de minha expertise no manejo insustentado desses animais, dirijo-me ao parque Ibirapuera para arguir os bípedes: por que você comprou um cachorro? Por que fez isso com você mesmo? "Porque meu pai tinha morrido", explica a gerente de marketing Renata Figueiredo, 36. "Eu precisava de alguma alegria, e o Otto veio me trazer isso." Otto é um bulldog de 6 meses que tem fetiche por pés: sapato, tênis, meia, pé de cadeira – o Otto traça tudo. "O que um cachorro nos dá é muito mais do que despendemos com ele", defende o produtor musical Edson Guidetti, 44, dono da vira-lata Nina, 4. "Passei 8 anos sem ter um cão e me tornei uma pessoa pior", diz. "Quem tem cachorro tem as emoções mais transparentes."
O analista de sistemas Rafael Pereira, 24, é casado com a estudante de direito Andressa Vieira, 22. Não têm filhos a não ser a Pati, uma schnauzer de 5 anos. "Ela não veio planejada, mas virou membro da família e então a gente não fica olhando o trabalho que dá", esclarece Rafael. "O grande lance do cachorro é que para ele está sempre tudo bem", conclui Edson, "e essa atitude nos mostra que a vida é possível assim". Perros. Por que tê-los? Porque humanizam nosotros? Se é assim, tá valendo.

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