São Paulo, Domingo, 29 de Abril de 2012 |
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DIA COMPRE ESSA IDÉIApor Lenita Miranda de Figueiredo, de Paris Em Paris, uma loja chique tem razão ainda mais sofisticada para existir: produtos raros e cheios de histórias são trocados por dinheiro que vai ajudar crianças pobres de Madagáscar. O nome da butique da vez em Paris já agradece quem compra lá sem culpa. Chama-se Merci o espaço no número 111 do bulevar Beaumarchais e, como nas multimarcas ao redor, vende peças de grifes de luxo. Yves Saint Laurent e Azzaro se misturam com móveis garimpados pelo mundo e acessórios que criam um ambiente “modo de vida”. Mas, ao contrário das “maisons” vizinhas, que cercam a Place des Vosges, a Merci quer ser mais do que bonita. Planeja ganhar dinheiro, sim, mas para ajudar o mundo. Toda a renda da loja vai para as crianças pobres de Madagáscar. A chance de fazer compras e o bem ao mesmo tempo pirou a comunidade local. E fez-se um novo conceito, o de “store solidaire”. “Eu não finjo querer salvar todo o planeta. Busco apenas reduzir o tanto de mal que fazemos a ele”, diz a dona do lugar, Marie-France Cohen. Ela e o marido, Bernard Cohen, fundaram há três décadas a loja chique infantil Bonpoint. Em 2009, decidiram “fazer algo de concreto” da vida. Primeiro, financiaram uma escola ao sul de Madagáscar. “Depois, vi que poderia usar o que aprendi em vida para ajudar.” E assim surgiu a loja. Bernard faleceu em 2010, mas madame Cohen segue tocando o negócio com pulso firme. A Merci não é bazar de caridade, mas um sério projeto comercial e também uma espécie de galeria de arte. Além de decoradores, arquitetos, estilistas e designers, a loja tem até diretor artístico. O único provador é decorado com tapete persa e um enorme lustre de cristal. AJUDAR É UMA PECHINCHATambém vou comprar, digo, dar a minha contribuição às crianças africanas. Pego o metrô Saint Sebastien Froissart. Chego ao (bairro) “3ème arrondissement”, perto da casa onde morou Victor Hugo. E vejo ao longe o nome Merci. Entro. Num canto, logo à entrada, está o laboratório de perfumes. Um doce aroma se espalha pelo ar. As fragrâncias são familiares. Mesmo: foram criadas por Annick Goutal, irmã de Marie-France. Qualquer pessoa pode levar um frasco vazio e enchê-lo com o perfume de sua preferência, por 40 euros. Marcas como Stella McCartney, Kris Van Assche e Paul Smith venderam peças a custo 40% menor do que o das lojas próprias. Era para haver ainda mais grifes badaladas por ali. “No início da empreitada, procurei grandes nomes da moda e fui muito bem acolhida. Escolhi um modelo do ano anterior e pedi que o fabricassem, usando os tecidos do seu estoque. Todos acharam a ideia genial”, conta Marie-France. “Mas, quando passaram à ação, me enviaram produtos que não dava para vender. Devolvi tudo.” A seleção das peças ali é rigorosa. Uma equipe de decoradores, arquitetos, designers e estilistas corre o mundo à procura de produtos para a Merci. A regra é: eles devem ser raros e ter uma história com poder de sedução. Paro para admirar um sofá vintage criado por duas designers do Líbano, Hoda Baroudi e Maria Hibri, colecionadoras de tecidos raros. O trabalho artesanal mistura fios de ouro e tecidos exóticos com delicados bordados do Uzbequistão. É feito por viúvas libanesas. O resultado custa 11.500 euros. Mas nem tudo é caro por lá. Um livro no sebo da loja pode valer dois euros. Pela singularidade das peças, a Merci não deve ter filiais num futuro próximo. “No momento, não tenho essa intenção. É extremamente complexo. Mas, se aparecer outro profissional rico que queira fazer o que fizemos, não pelo dinheiro, mas pelo prazer de fazer coisas apaixonantes, ‘why not’?”, diz Marie-France. São 19h. A Merci vai fechar. A última imagem que retenho é a de uma criança que mal sabe andar, vagando entre os livros. A mãe chama e escuto que ela se chama Fleur. Penso que ela se prepara, desde já, para o exercício (ou a arte?) de comprar. Texto Anterior: NOITE: Clube Silencio, por Sérgio Dávila. Próximo Texto: QUALQUER HORA: Guia de comida, por Laura Schichwarger.
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