São Paulo, domingo, 30 de agosto de 2009

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FINOS

Mari Hirata e Murakami, as raízes japonesas de Mari e Mura se encontram na cozinha

por ALICE GRANATO

Combinado Especial

Os chefs Mari Hirata e Tsuyoshi Murakami percorreram caminhos inversos –ela, brasileira, vive no Japão há 15 anos; ele, japonês, veio para o Brasil aos três. a convite de Serafina, os dois se encontraram em São Paulo para falar da volta às origens na valorização dos ingredientes.

Quando Mari Hirata acorda, Tsuyoshi Murakami vai dormir. Ela nasceu em São Paulo e vive em Tóquio. Ele nasceu na ilha de Hokkaido (Japão) e vive em São Paulo. Caminhos inversos que se encontram na interseção da cultura nipônica com a brasileira.

Consultora e chef dedicada, Mari conhece a tradição japonesa. Aprendeu desde cedo em casa, especialmente com a mãe, nascida no Japão. Há 15 anos, mudou-se para Tóquio, onde vive até hoje. Mas não passa um ano sequer sem visitar o Brasil.

Mura, como Tsuyoshi Murakami é conhecido, adaptou-se muito bem ao Brasil, país onde chegou com três anos, depois de seu pai ter recebido uma proposta para trabalhar em uma empresa de engenharia em Niterói (RJ). Mais tarde, estabeleceu-se em São Paulo, para então se tornar um representante da alta gastronomia japonesa. Suas criações na chamada "kappo cuisine" –degustação de pratos japoneses que procura extrair o máximo frescor dos ingredientes em combinações inusitadas– renderam diversos prêmios e o título de chef do ano em 2008 nas principais revistas especializadas. O Kinoshita, seu restaurante, foi eleito neste ano o melhor japonês pelo júri do Guia da Folha - O Melhor de São Paulo.

De temperamento reservado, Mari trouxe para o encontro o reflexo da vida cotidiana no Japão. A rigidez com que defendem seus costumes, o modo silencioso de se comunicar por meio das artes e da culinária, a delicadeza de seus ingredientes. Mura, "japonês-carioca", tornou-se expansivo, falante, brincalhão. Procura se manter fiel às tradições de seus ancestrais, mas as tempera com boa dose de ousadia ao combinar, por exemplo, marisco japonês com manteiga de trufa concentrada e ovas de salmão.

De uma "infusão" de quase três horas com essas duas vertentes da cozinha ficou a percepção de que, em um futuro breve, teremos mudanças na gastronomia que vão unir dois lados opostos num mesmo prato: técnicas arrojadas serão elaboradas a partir de ingredientes primordiais –e esses receberão a maior parte das atenções.

ORIGEM CONTROLADA

Mari aponta a tendência: o bom chef não irá mais existir sem bons fornecedores. "E esse fornecedor vai ter nome, sobrenome, história, família, cachorro", afirma. De acordo com ela, os produtores irão –finalmente– aparecer. No Japão e no mundo, ela conta, cada vez mais os comensais estão valorizando a procedência dos ingredientes. Querem conhecer a qualidade do produto que estão comendo, como ele foi feito, sua origem. Em bons restaurantes da Espanha, por exemplo, já se pode encontrar o nome dos produtores no menu, como acontece no Casa José, em Aranjuez, próximo de Madri, considerado um dos melhores da região. No cardápio, o chef Fernando del Cerro cita nominalmente todos os seus fornecedores de verduras. Elaborou ainda um catálogo em que apresenta fotos dos produtores e de suas respectivas hortas. No Brasil, diversos restaurantes já estão despertando para a valorização desses profissionais, mas ainda não se vê seus nomes em destaque no menu.

Quem está plantando esse arroz? De onde vem esse nabo? Essa horta é 100 % orgânica? A ligação dos chefs com os fornecedores tende a se tornar estreita. "Misturar foie gras ou trufas com sushi não vai ser o mais importante. O consumidor vai estar mais interessado na procedência dos alimentos servidos, em sua qualidade. Isso é que será valorizado e caro", destaca Mari.

"E o Murakami, assim como outros bons chefs, terá essa responsabilidade de trazer o produto de primeira linha para a sua cozinha." O chef concorda. "Eu também acho que o futuro está na base", diz ele. Ambos acreditam, contudo, que a tendência chega combinada às técnicas modernas que já foram incorporadas pelos grandes chefs. Não se trata, portanto, de voltar ao passado, mas de agregar aos tempos modernos a valorização do primordial, do ingrediente em sua raiz.

Tsuyoshi Murakami 40, chef de cozinha e sócio do restaurante Kinoshita; japonês radicado no Brasil há 37 anos Não se perde com a imigração: "Gratidão" Hábitos que se adquirem: "A ginga brasileira, aquela coisa do carioca, fui criado no Rio; a flexibilidade" Prato preferido: "O tradicional bolinho de arroz japonês, o segredo é não amassar" Doce: "Pudim de leite. O da minha mulher, Suzana, levinho e com pouco açúcar"

MARI HIRATA 49, chef de cozinha e consultora de culinária japonesa; brasileira radicada há 15 anos no Japão Não se perde com a imigração: "Falar com as mãos. Por mais que eu fale bem a língua, pelo meu gestual percebem que não sou japonesa" Hábitos que se adquirem: "Não julgar. Antes de dar sua opinião ou debater, perceber o clima" Prato preferido: "Feijão com arroz brasileiro" Doce: "Quindim. E o perfume do coco? Pode ser até um por ano, ou meio..."

JOGO DOS 7 ERROS

Mari Hirata e Murakami apontam as gafes mais cometidas nos restaurantes japoneses no Brasil:

Shoyu em excesso: O molho fermentado de soja deve ser usado com parcimônia. "O shoyu não é para esconder o sabor do peixe, mas para realçar", explica Murakami. Deve-se colocar a quantidade máxima de uma moeda de 500 ienes (um pouco maior que a de R$ 1) no prato. "Mais do que isso, no Japão te perguntariam de qual ‘interiorzão’ você veio", diz Mari.

Saquê no massu: Não se toma saquê no massu (recipiente quadrado), muito menos com sal. "Saquê no massu só se for na inauguração de um prédio, por exemplo, em alguma comemoração. E será usado de forma descartável", diz Mari. No Japão, bebe-se saquê em copos pequenos, "desses de licor de antigamente", compara a chef. Em lugares mais baratos, são usados copos de cerâmica.

Temperatura do saquê: Saquê deve ser servido em temperatura ambiente, nem gelado nem quente.

Missoshiro de colher: O caldo deve ser levado à boca com as mãos, mas tem gente que ainda pede a colher. No Japão, faz-se barulho ao beber, pois o certo é chegar à mesa fumegante. "Jamais se serve um missô morno; no Japão, eles mandam voltar", diz Murakami.

Hashi no arroz: Nunca se deve espetar o palitinho no arroz. Isso é feito com incensos, não com a comida.

Misturar wasabi (raiz-forte) com shoyu: "Isso é muito feio. Nunca se mistura wasabi com shoyu no Japão. Wasabi se coloca em cima do peixe.", diz Murakami. "Em restaurante que se preze, o wasabi, como o gengibre, é ralado na hora", acrescenta Mari.

Açúcar no chá verde: No Japão, adoçar o chá verde é considerado um absurdo.

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