São Paulo, domingo, 30 de agosto de 2009

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FINO

Frank Warren, Ele coleciona segredos cochichados em cartões-postais, por Teté Ribeiro

por TETÉ RIBEIRO

Quer saber um segredo? Frank Warren também queria, e o desejo dele se transformou em um dos projetos mais ousados e inteligentes dos últimos tempos. Ele não é artista, nem terapeuta, nem escritor. Cursou ciências sociais e nunca trabalhou nessa área.

É só um cara que teve uma ideia. E a ideia deu tão certo que ele desistiu do trabalho que tinha para se dedicar completamente a ela: ler segredos enviados por anônimos em cartões-postais. Hoje, só o que faz da vida é dar a devida atenção às quase 200 confissões que chegam diariamente ao número 13.345 da Copper Ridge Road, numa cidadezinha chamada Germantown, em Maryland, um subúrbio da capital norte-americana. (O CEP nos EUA é 20874, se por acaso você tiver alguma coisa para contar.)

Os números estão corretos, não há zeros sobrando à direita. Frank Warren, 45, recebe mais de mil cartões por semana e o site (www.postsecret.com) já tem mais de 260 milhões de visitas. "Sentia um imenso tédio no meu trabalho anterior", disse Frank em sua casa à Serafina, explicando como surgiu o projeto. "Tinha meu próprio negócio há 20 anos, desde que me casei, no segundo ano de faculdade. Passava os dias copiando documentos para firmas de advogados ou para a indústria farmacêutica. Era lucrativo, mas um inferno."

Então, em 2004, ele se inscreveu para participar da feira de artistas amadores Artomatic, que acontece desde 1999 em Washington e durante seis semanas reúne centenas de aspirantes a fotógrafos, pintores, escultores, músicos, poetas, dançarinos etc em prédios em construção.

Frank registrou o nome do projeto, PostSecret, e prometeu que faria uma exposição diferente por semana. Aí, imprimiu 3.000 cartões-postais em branco, com o endereço de sua casa no verso e uma explicação simples: "Decore o cartão como quiser e me conte um segredo sem revelar sua identidade". Saiu pelas ruas espalhando os cartões e divulgando a ideia. O primeiro que chegou dizia simplesmente "Sou um homem branco e gosto de mulheres negras". Sem nenhuma decoração. Dessa primeira leva, ele recebeu apenas outros dois.

Foi só com três segredos que abriu a exposição de 2004. No primeiro cartão, aquele do branco que gosta de negras, alguém escreveu por cima "it's OK" (tudo bem). "Essa foi a primeira dica de que o projeto iria dar certo. Alguém se envolveu com aquela história e resolveu se manisfestar", diz Frank.

Naquele ano, conseguiu montar seis exposições diferentes na feira de artes. Então, fez o site para o projeto continuar existindo. Em seguida, surgiu a oportunidade de editar o primeiro livro. Que foi parar na lista dos dez mais vendidos do país (assim como os três seguintes) e divulgou tanto a ideia que começaram a surgir convites para palestras em faculdades. O que era um hobby foi tomando o tempo do trabalho e começou a gerar dinheiro (com as vendas dos livros e as palestras, que nos EUA costumam ser bem pagas). Frank decidiu vender o negócio e se dedicar só ao que ele chama de sua missão na vida.

SEGREDO DE JUSTIÇA

Mas segredos não são secretos sem nenhum motivo. Logo, entre declarações de amor proibido ou pequenas traquinagens cotidianas, começaram a chegar também coisas mais sérias. "Não foram muitos, mas recebi confissões de crimes e testemunhos de gente que sabia onde um corpo tinha sido enterrado, esse tipo de coisa", conta, sem entrar em muitos detalhes. "Fui contatado pelo FBI em mais de uma ocasião. Mas não posso falar mais sobre isso. Esse segredo sou obrigado a guardar."

Mais de uma vez, Frank descobriu quem era o autor de um segredo. "Um escritor que eu conhecia mandou um postal com a seguinte frase: 'Odeio o meu vizinho porque ele teve uma ideia de livro melhor do que a minha'. Reconheci pelo carimbo e porque eu sabia que um escritor famoso havia se mudado para a casa ao lado da dele". Outro era ainda mais cabeludo: "Fui mergulhar com um colega e desconectei o cano de oxigênio dele". Esse deixou Frank quase em pânico, até que sua mulher contou que quem havia mandado era a filha adolescente deles, só para chamar a atenção.

Hailey, a filha, levou uma bronca e foi proibida de entrar no site e de seguir o PostSecret no Twitter. "Não sei se funcionou", confessa o pai. "Outro dia, perguntei qual era o segredo preferido dela e ela apontou um cartão em que estava escrito: 'As pessoas acham que eu parei de mentir, mas só aprendi a mentir melhor'". Pergunto se lidar diariamente com o que as pessoas escondem do mundo o faz mais otimista ou mais pessimista em relação à raça humana. Ele diz que, no fim das contas, o saldo é positivo, que ele vê muito mais mostras de generosidade do que de maldade ou má-fé. Insisto em saber um segredo picante, ou nojento, ou assustador. Ele devolve o desafio. "Se você consegue imaginar, pode saber que eu já li em um cartão-postal." Saio da conversa olhando diferente para as pessoas na rua. O que será que elas aprontaram?

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