São Paulo, domingo, 30 de agosto de 2009

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DESENHO

A fábrica de luvas que Michael Jackson imortalizou

por VIVIAN WHITEMAN

Preferidas das celebridades, peças da Gaspar Gloves vão dos palcos ao cemitério

Nas mãos de Madonna e Beyoncé, viraram objeto de desejo. Nas de Michael Jackson, um ícone destinado a acompanhar o popstar até o seu leito de morte. Preferidas das celebridades e dos maiores figurinistas de Hollywood, as luvas da grife Gaspar Gloves ajudaram a traçar as ultracopiadas linhas da iconografia pop mundial.

A marca tem uma longa história no mercado, que começou no ano de 1890, na Hungria."Sou a caçula de uma família de dez irmãos e costuro luvas desde que me conheço por gente", diz à Serafina Dorothy Gaspar, 45, que comanda os negócios da família desde os anos 80.

A Gaspar Gloves foi criada pelo avô de Dorothy, em Budapeste, e o pai da luvista herdou a empresa décadas mais tarde. Aos 19 anos, ela se mudou para os Estados Unidos para se casar e passou a trabalhar para a companhia de luvas Hammer Gloves –à época, uma das maiores de Hollywood. Depois da falência da Hammer, Dorothy decidiu trabalhar por conta própria e, para isso, abriu a primeira "filial" da Gaspar Gloves em terras americanas. Desde então, a grife está instalada em Los Angeles, de onde exporta seus produtos para dezenas de países.

O maquinário usado por Dorothy foi trazido da antiga fábrica de Budapeste (que não existe mais) e tem mais de cem anos de uso. Tudo no ateliê da Gaspar Gloves é feito de forma artesanal por uma pequena equipe muito bem treinada nas artes desse ofício. Um par de luvas pode demorar até três dias para ficar pronto, dependendo dos detalhes envolvidos. "Fabricamos modelos que prezam sobretudo a harmonia com as mãos. Uma luva que ignora os traços da mão jamais será elegante", diz Dorothy.

Neste ano, a Gaspar Gloves se tornou conhecida no mundo inteiro, em circunstâncias, digamos, extraordinárias. Depois da morte de Michael Jackson, a família do cantor anunciou que ele seria enterrado com uma de suas famosas luvas, confeccionada pela marca.

NAS MÃOS DE MICHAEL

A parceria entre Michael e a grife é antiga. A luva que ele levaria para o caixão (até a conclusão desta edição, o enterro do cantor estava previsto para acontecer ontem, dia 29, num cemitério em Glendale, na Califórnia), feita de couro branco e cristais Swarovski, é uma réplica de um modelo confeccionado por Dorothy para o popstar nos anos 90. Esse, por sua vez, foi copiado de uma célebre "matriz" –uma peça sem marca usada por Michael em sua histórica apresentação nos 25 anos da Motown, em 1983. Na ocasião, ele realizou o passo "moonwalk" pela primeira vez. Uma curiosidade: Michael usava sempre uma única luva. A original, que será leiloada em novembro, foi usada na mão esquerda; as demais, na direita.

"Eu estava fazendo as luvas para a nova turnê de Michael e fui pega de surpresa por essa morte tão súbita. Um grande choque, sem dúvida. No mesmo dia, recebi a encomenda da luva que o acompanharia no túmulo, que fiz com muito carinho, como uma homenagem", conta Dorothy Gaspar. A ideia de enterrar Michael com a luva, Dorothy confirma, partiu de La Toya Jackson, uma das irmãs do astro.

À parte o episódio lúgubre, os acessórios da Gaspar Gloves costumam circular por ambientes glamourosos. As peças de Dorothy estão na atual turnê de Madonna, nos videoclipes de Justin Timberlake e Lady Gaga, nos shows da cantora Beyoncé e nos editoriais das principais revistas de moda do mundo. Isso sem falar dos filmes. Fosse nascida na época de "Gilda" (1946), Dorothy teria feito um ótimo trabalho na famosa cena do strip-tease de luvas de Rita Hayworth.

Do atrapalhado cientista Dr. Brown, de "De Volta para o Futuro" (1985), à personagem de Angelina Jolie no dramalhão "A Troca" (2008), as luvas da Gaspar marcaram presença na história recente do cinema. Entre os figurinos de heróis como Homem-Aranha, Robocop e Batman e produções de época, como "O Aviador" (2004), Dorothy destaca dois filmes românticos como o auge de sua contribuição ao cinema. "Em ‘Titanic’, quando Kate Winslet aparece com luvas longas para encontrar DiCaprio no salão de jantar, temos um momento sublime de elegância. Mas as minhas criações preferidas, entre as que fiz para Hollywood, são as de ‘Abaixo o Amor’ [comédia de 2003 com Renée Zellwegger], nas quais pude brincar com o charme e a ousadia que só os anos 60 tiveram", afirma.

Graças à aura de glamour, Dorothy aposta nas luvas como fortes aliadas fashion em épocas de recessão. "Meu conselho é o seguinte: invista num belo par de luvas, daqueles com caimento perfeito e estilo versátil. Boas luvas elevam looks simples a um novo patamar de estilo e fazem com que qualquer mulher se destaque na multidão."

Segunda Pele

Uma breve reflexão sobre a história e o uso do acessório

O que é afinal a luva, esse duplo vazio da mão? Desde o Egito Antigo, espaço-tempo dos primeiros registros de uso do acessório, a luva foi adotada como agasalho, adorno, proteção e como dispositivo de higiene. Mas isso é coisa que todo mundo sabe.

Acumular informações e explicações históricas é fugir do mistério que a forma da luva esconde. A luva é um lembrete, um sinal que aponta para a mão imemorial, a mão primordial e incognoscível.

Intrigante é pensar que não se amassa o pão da Páscoa nem se tira a febre de um filho com os dedos enfiados numa luva ordinária. Nessas ocasiões, aparece a verdade da luva, brilho invisível sobre as mãos aparentemente nuas. Uma teoria: quando a vida pede doses de fé e de coragem, mão e luva convergem numa unidade de carne e transparência animante, como nas gêneses, nos êxtases e nos grandes finais.

Quando feita sob medida, a luva é quase uma epifania: revelação do encaixe perfeito, a terra prometida. Disfarçada em tecido artificial, cobre as linhas das mãos e, sob o véu do seu segredo, libertam-se os riscos do destino. (Vivian Whiteman)

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