São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2008

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PESSOA FÍSICA

Representantes de classe

por ELIANE CATANHÊDE de brasília

Mais expansivos e com uma visão generosa do país, a atual safra de embaixadores europeus seduz a capital federal

Peter Salmon Collecott, 58, estudou em Cambridge, Inglaterra, e no MIT (Massachusetts Institute of Technology), Estados Unidos, e é pós-doutorado em física quântica e matemática. Mas sua carreira não é nem um pouco cartesiana. Aliás, não poderia ser menos exata. Ele, que está encerrando quatro anos como embaixador do Reino Unido em Brasília, é diplomata de carreira.

“Estudar física e matemática foi um desafio, mas 30, 40 anos, voltado para isso? Definitivamente não era o que eu queria. Depois dessa satisfação intelectual, quis fazer algo não tão restrito. Quis participar, entender, conhecer, quem sabe salvar o mundo?”, brinca. Rodou, rodou e veio parar no Brasil.

Collecott conheceu sua mulher, a australiana Judith, em 1980, no Sudão, à beira do rio Nilo. Ela também era uma jovem diplomata, mas dois anos de namoro e paixão foram suficientes para que largasse a carreira e se casasse, para então rodar o mundo a dois.

“Cinco postos, cinco continentes”, diz Collecott, relacionando os países onde serviu: Alemanha, Indonésia, Austrália e o próprio Sudão, antes de chegar ao Brasil. Eles nunca tinham estado no país. Aprenderam português rapidamente em Londres e fizeram mais uma “imersão” em Salvador, antes de assumir o novo posto em Brasília. Estão de volta a Londres com a língua bem mais afiada e uma nova perspectiva na bagagem: enveredar pela área do futuro, o desenvolvimento sustentável.

“A crise econômica é mais imediata, mas a crise ambiental é muito mais abrangente, perigosa para o futuro e, portanto, mais importante”, opina o embaixador, classificando o Brasil como “absolutamente chave” na área climática, por ter água, sol, clima, tecnologia, organização política e liderança nos fóruns internacionais de sustentabilidade.

Os Collecott deixam no país a imagem de um casal que gosta de receber, de dançar, de se integrar. Deixam, também, a residência oficial muito mais bonita. Durante dois anos e meio, os dois, especialmente Judith, passaram horas e horas reformando os jardins, que foram projetados por um dos mais badalados paisagistas brasileiros, Ney Ururahy, mas estavam muito degradados.

“Reconstituímos tudo, respeitando dentro do possível o projeto original e combinando o inglês clássico com o brasileiro exótico”, diz ela, que contou com a ajuda decisiva de um profissional local

TOPO DE TABELA

Peter e Judith fazem parte de um grupo muito especial de embaixadores europeus: os que chegaram a Brasília curiosos para ver de perto o governo do ex-sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva e tentar entender a inclusão do Brasil como “emergente” no cenário internacional, ao lado de países como Índia e China.

Outro desses embaixadores é o de Portugal, Francisco Seixas da Costa, 60, que, depois de quatro anos, está trocando Brasília por Paris. Ele nasceu em Vila Real, distrito de Trás-os-Montes, estudou ciências sociais e políticas e manteve as convicções de esquerda ao longo da carreira diplomática: “Eu sou socialista, filiado ao Partido Socialista”, frisa.

Participou da Revolução dos Cravos em 1974 contra a ditadura salazarista, foi secretário de Estado para Assuntos Europeus em dois governos socialistas e serviu como diplomata na Noruega, em Angola, na Inglaterra, na Áustria e também na ONU, em Nova York. Considera que, com Lula e com a ascensão internacional do Brasil, Brasília é um posto “topo de tabela”, ao lado, por exemplo, de Washington, Paris e Londres.

Seixas da Costa reuniu os embaixadores dos países europeus para uma troca de idéias informais com autoridades, professores e jornalistas locais sobre a política e a economia brasileiras. Tentou sem sucesso sensibilizar o chanceler Celso Amorim a participar, mas conseguiu, entre outros, os ministros Patrus Ananias, para falar do Bolsa Família, e Paulo Vanuchi, de Direitos Humanos. São assuntos especialmente caros ao Primeiro Mundo. Seixas da Costa também ficou craque em política brasileira e está lançando pela editora Thesaurus uma coletânea dos seus textos sobre as relações Brasil-Portugal. Título: “Tanto Mar?”. Ele passa horas por dia escrevendo e lendo (inclusive cinco jornais brasileiros), mas gosta de boa mesa e dos melhores vinhos: acabou participando, como jurado, de concursos de restaurantes da revista “Veja” e foi personagem da “Gula”.

Além de desbravador de restaurantes no Brasil, escreve um blog sobre os melhores restaurantes portugueses, o www.pontocome.blogspot.com, para dar água na boca de brasileiros. E ressalva: o Mosteiro, no Rio, não deve nada aos legítimos da terrinha. De quem vem a ser? Do pai do ministro da Saúde, José Temporão.

Depois de viajar muito, praticamente pelo país inteiro, Seixas da Costa –que detesta ser chamado de “senhor”– declara seus dois amores: Ouro Preto, “a minha segunda cidade”, e Salvador, “pelos seus contrastes”.

No quesito viagens nacionais, outro embaixador é imbatível: o holandês Onno Hattinga van’t Sant, 62, trouxe um Opel Vectra 2001 da Bélgica, seu último posto, e sai com a mulher, Johanna, rodando de norte a sul. São 26 mil km desde 2005, usando gasolina comum, mais 20% de álcool. Nunca teve problema com o combustível, nem com assaltos e buracos: “É fácil. Se tem uma sombra lá na frente e não tem nenhuma árvore por perto, você trava. É buraco na certa”, ensina.

A mais longa das seis grandes viagens, de 6.335 km, foi para o Nordeste. E a de que ele e Johanna mais gostaram foi para a Amazônia, onde subiram o rio Solimões de barco, dormiram em redes e visitaram aldeias indígenas. Na região do rio Biá, encontraram 500 índios Katukina em cinco aldeias que, somadas, correspondem a um quarto de todo o território da Holanda.

O rosto, perigosamente vermelho de sol, quase esconde os olhos azuis. Por quê? Apesar de viajar o Brasil inteiro de carro, ele é sempre identificado com o veículo mais popular na Holanda, sobretudo na capital Amsterdã: a bicicleta. E lá foi ele, sol a pino, prestigiar uma das muitas “bicicletatas” que estão se tornando comuns nos fins de semana de Brasília.

QUADRIL BRASILEIRO

Rei morto, rei posto. Se o inglês Peter Collecott está de partida, um outro físico acaba de chegar. É Wilhelm Meier, 60, o novo embaixador da Suíça, que serviu na China, na Rússia, no Uzbequistão, na Sérvia e seis anos na OMC (Organização Mundial do Comércio) e nunca tinha posto os pés no Brasil. Desabou em Brasília em outubro, com a mudança pela metade e sem TV, mas semanas depois já se dizia encantado com “a alta qualidade de vida, com muito espaço e sem poluição, mais ou menos como na Califórnia”. Para sua surpresa (e da maioria dos brasilienses...), ele já tinha encontrado 13 pistas de squash em Brasília. Já dá para desafiar os filhos, que estão vindo para o Natal.

Outro que parece desbravar Brasília melhor do que muito brasileiro é o embaixador da Alemanha, Friedrich Prot von Kunow. E é corajoso. Depois de anos sofrendo com artrite, ignorou a lenda de que “o melhor médico de Brasília é (ou era) a Varig, a Vasp e a Transbrasil”, internou-se no hospital Santa Helena e saiu de lá com uma placa de platina no quadril.

Um mês depois, num almoço de despedida para o casal Collecott no Itamaraty –aliás, no mesmo dia em que o príncipe Charles completou 60 anos–, o embaixador brasileiro Everton Vieira Vargas se surpreendeu: “Já tirou as muletas?” Sim, Kunow já havia tirado. E justificou a ousadia de se operar em Brasília: “Minha casa é aqui, eu e minha mulher moramos aqui. Por que não, então?”

Em geral, eles trabalham e moram no setor de embaixadas sul, que é privilegiado: muito aberto, sem prédios e com belíssimas vistas para o lago. Esse, aliás, é um dos orgulhos do embaixador da Itália, Michelle Valensise, e de sua mulher, Elena, que estão entre os casais de ouro da atual leva de embaixadores estrangeiros. Da sala, da varanda e do jardim, eles têm uma visão panorâmica do Lago Paranoá, com destaque para a mais nova e mais bonita das três pontes que dão acesso ao bairro do Lago Sul, o mais rico da cidade.

Fora do eixo europeu, a ascensão do Brasil no cenário internacional produziu também uma espécie de “upgrade” na Embaixada dos Estados Unidos, que começou com a diplomata Donna Hrinack e se manteve com o empresário Clifford Sobel, o atual embaixador.

Ele e a mulher, Barbara, abriram os portões da embaixada americana e da residência oficial, tradicionalmente trancados para os brasileiros, e freqüentam o circuito Rio-Brasília-São Paulo-Nordeste como nunca antes um embaixador americano neste país. Já ficaram amigos, entre outros, do ministro da Defesa, Nelson Jobim, um dos responsáveis por uma decisão que interessa diretamente a Washington: a renovação da frota de caças da FAB.

Na outra ponta, o embaixador da China, Chen Duqing, e sua mulher, Hu, fazem o gênero que melhor convém a um país comunista: simplesinhos. Muitos anos atrás, ainda jovem, ele decidiu estudar português em Xangai. Foi seu passaporte para chegar ao Brasil como tradutor, galgar degraus e hoje ser embaixador do seu país em Brasília. Em três tempos, ocupando diferentes posições, já são 13 anos de Brasil. Um recorde. Aparentemente Chen e Hu vieram para ficar.

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